quarta-feira, setembro 26, 2012

A poesia

Esperando os Bárbaros 

Numa letargia sufocante e mórbida Alexandre O´Neill salva-me do tédio. 
No idos de 76, O´Neill vê-nos desorientados entre o passado e o futuro, sem grande ideia do que fazer no presente. 

“Que esperamos agrupados nesta praça? 
Hoje chegam os bárbaros. 
Porque está inactivo o Senado e, imóveis, 
os pais da pátria não legislam?
É porque hoje chegam os bárbaros. 
Que leis irão votar os senadores? 
Quando chegarem os Bárbaros serão eles a ditar a lei. 
E o imperador, já a pé de madrugada, 
que faz sentado no seu alto trono, 
coroado e solene às portas da cidade? 
É que hoje chegam os Bárbaros 
o imperador vai acolher o chefe 
 dos Bárbaros, a quem fará entrega 
de um extenso pergaminho repleto das menções honoríficas, de títulos retumbantes. 
Por que vestes os nossos dois cônsules e os pretor 
suas togas vermelhas e brocado fino 
e ostentam braceletes de ametista, 
anéis de esmeraldas refulgentes? 
Por que trazem bastões de ouro e prata cinzelados a capricho? 
Por hoje chegam os Bárbaros 
e todas essas coisas os bárbaros deslumbram. 
Por que não acorrem como sempre nossos ilustres oradores 
a oferecer-nos com o chorilho feliz de sua eloquência? 
Porque hoje chegam os Bárbaros 
que odeiam a retórica e os discursos compridos. 
E a que vêm, agora, essa inquietação 
e essa agitação? 
(Como os nossos rostos se tornam graves!). 
E por que esvazia a multidão ruas e praças 
e cada um, com ar sombrio, volta a cada? 
E que a noite caiu e Bárbaros não chegam. 
Pessoas recém-vindas das fronteiras 
garantem que já não há Bárbaros. 
E agora que será de nós sem os Bárbaros? 
Essa gente, apesar de tudo, sempre era uma solução."

Alexandre O' Neil, Coração Acordeão, colectânea de crónicas que escreveu para um jornal e alguns dispersos