A última semana ficou, indubitavelmente,
marcada pela crise do abastecimento aos postos de combustíveis. Um conflito que
trouxe para a praça pública as debilidades de uma economia que poderá ser tudo
menos a tradução da máxima liberal de que o mercado tudo resolve. De facto, não
resolveu.
Analisem-se os acontecimentos e,
principalmente, os seus intervenientes, e facilmente se concluirá que ninguém fica
bem na fotografia desta greve. Houve equívocos, desleixo, tomadas de posição no
mínimo ridículas, e uma comunicação social que se limitou, quase toda ela, a papaguear
o que os interesses das diferentes barricadas ditavam. De facto, esta era uma
greve anunciada há vários meses, na sequência do acordo de trabalho que uma
associação sindical de motoristas assinou com a ANTRAN. Quem tivesse dois dedos
de testa e um pé dentro do universo dos combustíveis e do seu transporte
percebia em três segundos que este era um conflito inevitável.
Um conflito laboral que envolva trabalhadores e
entidade privada deve, de acordo com a lei instituída, esgrimir-se entre as
partes. Esteve muito mal, mais uma vez, o presidente da República, quando lançou
a atordoada de que o governo deveria mediar o conflito. Desde quando, numa
economia liberal, um governo deve andar a mediar conflitos entre privados,
quando nem sequer dedica a necessária atenção ao caótico estado dos serviços
públicos?
A intervenção do governo materializou-se, ao
fim da tarde de terça-feira, na sequência desta pressão do presidente da
República, na determinação de que qualquer motorista poderia transportar as
cargas perigosas. Dito de outro modo, quem não tem cão caça com gato, e até os
militares da GNR, deste que detentores da carta de condução de pesados e do
certificado próprio para as matérias perigosas passaram a servir de fura-greves.
O problema é que a coisa não reside apenas no transporte, mas sobretudo na
trasfega dos produtos petrolíferos para os depósitos das gasolineiras, pelo que
o desespero e fracasso relativo da estratégia foi sendo colocado a nu à medida
que as filas à porta das bombas continuavam a aumantar.
De lado, um salário base de 630 euros, ao qual
se podem somar, no limite, até 1 500 euros a título de compensações, no mínimo
de duvidosa legalidade, que nem sequer contam para a segurança social ou para a
reforma. Do outro, o patronato sempre em luta pelo seu direito a um lucro
maior. No meio, um governo algo perdido a usar a GNR para fazer 56 viagens em
substituição dos trabalhadores em greve, violando a própria lei que deveria
fazer cumprir, depois de ter pretendido ser neutro, mas ter querido ainda assim
transformar os serviços mínimos em serviços máximos, os quais cobriam apenas
Lisboa e Porto.
Bem ou mal, o governo conseguiu empurrar este
conflito com a barriga, como sempre faz com o que pressinta ser uma evidência
da sua incapacidade. As negociações estender-se-ão até ao final do ano e o
inevitável retomar do conflito, já depois das eleições, vais estoirar nas mãos
de um novo governo.
Sobre a razão de fundo deste tumulto, que
reside na quota de mercado e no lucro de três grandes empresas, que, como
gigantes monopolistas, esmagam as transportadoras mais pequenas, permitindo-lhes
espremerem os motoristas, nem uma palavra. Ou seja, o governo não mobiliza
energias nem vontade para atacar a causa do problema, mas já o faz para atacar
as suas consequências e o direito dos trabalhadores a colocarem de pé uma greve
que incomode a sério e obrigue a ir ao osso do conflito. Não é por acaso que o
Sistema Nacional de Planeamento Civil de Emergência, que deveria coordenar a
mobilização de recursos para responder a situações de crise como esta, está
reduzido a dois funcionários: um diretor e um técnico! É que o governo já sabe
que quando vier a próxima crise, basta-lhe volta a violar a lei da greve. Em
democracia ou fora dela, quando há conflitos destes, a pretensão de sermos
neutros é em si mesma uma escolha pelo mais forte.
Tenham uma boa semana.