domingo, maio 15, 2011

O arco….da velha

Muito se ouve, se diz e ainda se vai continuar a mentir acerca do arco do poder. Mas que poder e, principalmente, que arco? E, já agora, com que idade?
A chamada «troika», depois da cena do polícia bom e do polícia mau (o polícia bom, pasme-se, desta vez foi o FMI…) lá se foi. O resultado está aí, bem no ponto a que o país chegou. Agora não há mentiras, subterfúgios ou ilusões que valham a quem quiser ver. A única coisa que há, para além da dor que nos espera e da cegueira de certo povo anónimo, é uma coisa a que chamam «acordo».
Esta mania de querer renomear as evidências é um pouco como aquela lógica que convida o brasileiro do Nordeste a explicar ao turista que certa gente até come cactos «porque a fome é o melhor tempero que há» …
O famigerado «acordo» prevê um corte de 550 milhões na Saúde, até 2013. Isto num país cada vez mais idoso e prenhe de problemas sociais, em que, não por acaso, os hospitais têm sido terreno de caça para o nepotismo partidário. Eis um SNS tendencialmente gratuito, mas apenas para quem tem o dever de o financiar!
Somem-lhe o aumento do IVA na factura da electricidade, no tarifário dos transportes e em inúmeros produtos (gastem menos, seus novos ricos!), as portagens nas SCUTs (as tais que receberam financiamento europeu exactamente para nunca serem portajadas), os bancos de horas negociados directamente com os trabalhadores (não confundir com aqueles bancos que vão receber 12 mil dos milhões todos que hão-de vir), os cortes de 30% na ADSE (por enquanto…), o ajustamento do despedimento individual (que delicodoce que isto soa), as reduções no subsídio de desemprego e afins (trabalhem, malandros!), enfim, um sem fim de tropelias e malvadezes.
É a política dos irmãos Metralha ou, quiçá, para quem sonhe com um Lucky Luke que nos livre desta gente, ou simplesmente com o cheiro a cavalo, é a política dos irmãos Dalton.
Pelo meio restam as injustiças, aldrabices, roubos, usurpações, prepotências, impunidades, cumplicidades, nenhumas vergonhas, e coisas que tais. Com essas não se preocuparam os polícias que por aí troikam a torto e a direito. É que o dinheiro, sobretudo aos milhões, cala muita consciência, sobretudo quando ela não existe.
Em troika de tanta massa vem aí o zelo patriótico, a submissão, a auto censura, o medo. Assim se liberta o espírito dos ignorantes, se matam os vícios dos pobres e se redime a alma dos remediados. Os paraísos fiscais, esses, ficam lá por fora, pois por aqui passa mais facilmente um camelo pelo buraco da agulha que um rico por onde devia ser.
A hipocrisia é a arte de convencer os outros daquilo em que nós próprios não acreditamos. É cruel quando assenta no sofrimento e na injustiça. É suprema quando se consuma pela mão daqueles que a deviam combater. E é divina quando se eleva aos olhos das gentes como se de uma religião se tratasse.
E hoje o que está a dar são as troikas, os mercados, os défices, as dívidas públicas, as bolsas, as taxas de crescimento, os ratings, os pec´s, e coisas do género. Uma autêntica liturgia da roubalheira! Com um tempero de democraticidade, para escorregar mais facilmente tamanha sacanagem. O templo, esse, é a Europa, aquela miragem que está aqui mesmo ao lado, mas que parece cada vez mais longe da vista após 6 anos de governação xuxialista.
A emergência social há-de ser a cinza deste calvário, cujas brasas hão-de queimar apenas aqueles que andarem descalços. As cavalgaduras, que são muitas e têm cascos bem duros e porte altivo, passam bem em qualquer terreno, à custa de uns socratinos pinotes de conveniência.
O arco, que é da velha e cheira a mofo, é aquele por onde passarão, em apoteose, os prestimosos crentes de tal religião. Uns de mãos dadas, outros de gatas. Alguns de empurrão, outros tantos a cavalo. Uns rindo, outros chorando. Porque tem de ser, que o circo não pode parar!
A raiva, nessa altura, há-de servir-nos para pouco. Vergados, exaustos e doridos, teremos então mais com que nos preocupar.
Por isso viva o arco-da-velha guarda!
Pelo menos eles assim o julgam. Pode ser que um dia se enganem…

(artigo publicado no jornal «O Interior» - dia 12 de Maio de 2011)