quinta-feira, maio 13, 2021

Ponto de vista

Terminou a chamada Cimeira Social Europeia que decorreu no Porto. Não, não vos venho falar dos gastos exorbitantes que se verificaram com tal espectáculo. Sim de espectáculo de propaganda à coesão da União Europeia. Não há coesão nenhuma, primeiro ponto. Depois falar das conclusões é dizer nada. Só 24 dos 27 chefes de Estado e de Governo da União Europeia estiveram presentes. Faltou logo o mais rico de todos os países, a Alemanha. A chanceler mandou dizer que não vinha. Lá terá as suas razões. Todas mas menos a da pandemia como foi anunciado. Daqui se conclui que o quer que viesse a parir a cimeira pouco ou nenhum interesse terá para a Europa. Mas, mesmo assim, insistiu-se em assinar um documento, de apenas uma página, onde os 24 representantes presentes se comprometem a desenvolver esforços para aplicar um Plano de Acção sobre o Pilar dos Direitos Sociais. Esse pilar foi adoptado precisamente numa cimeira idêntica à do Porto só que agora a Presidência Portuguesa voltou ao tema procurando que todos os estados membros o apliquem em prol do que chamam o bem-estar dos cidadãos europeus. Ora o governo português não percebeu que as políticas sociais são por imposição do Tratado da União Europeia da responsabilidade de cada estado membro. Mas deixemos o que a cada Estado pertence e vamo-nos centrar num dos objectivos traçados pelo tal Pilar dos Direitos Sociais, precisamente o da Educação, formação e aprendizagem ao longo da vida. Diz-se no preâmbulo e passo a citar: «Todas as pessoas têm direito a uma educação inclusiva e de qualidade, a formação e aprendizagem ao longo da vida, a fim de manter e adquirir competências que lhes permitam participar plenamente na sociedade e gerir com êxito as transições no mercado de trabalho.», fim de citação. Ora a realidade contraria tudo quanto enche tratados e planos com frases de salão e punhos de renda. Se os objectivos sociais para que cada Estado atinja a tal meta do bem estar lhes pertence por inteiro vejamos o que se passa em Portugal. Continuamos a ser um país em que uma percentagem muito elevada da população empregada tem um baixo nível de escolaridade. Este facto, por um lado, associado ao baixo “stock” de capital ou seja investimento por trabalhador, que é metade da dos países da União Europeia determina baixa produtividade, o que constitui um obstáculo ao crescimento económico e ao desenvolvimento de um país em que 2 milhões de portugueses vivem no limiar da pobreza e, por outro lado, gera grandes diferenças nas remunerações. Em 2020, a população empregada em Portugal com o ensino básico ou menos ainda representava 40% da população total empregada, enquanto a média na União Europeia era apenas 16%, ou seja, 3 vezes menos. Por outro lado, a redução da população empregada em Portugal com baixa escolaridade tem sido feita principalmente por meio da expulsão violenta destes trabalhadores do emprego nos períodos de crise. Entre 2011 e 2014, com a crise financeira do “subprime” e com a política de austeridade violenta da “troika” e do governo PSD/CDS, foram destruídos 338 000 postos de trabalho, mas o número de trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego foram 614 000. Entre 2019 e 2020, foram destruídos 99 000 postos de trabalho, mas o número de trabalhadores com o ensino básico ou menos que perderam o emprego atingiu 171 000. Eis a outra face da crise escondida. Analisando os dados do próprio Eurostat conclui-se que, no período 2011/2019, as remunerações médias que aumentaram mais foram as dos trabalhadores de baixa escolaridade (ensino básico ou menos), que tiveram uma subida de 12% , cerca de 69€, enquanto as remunerações dos trabalhadores com maior escolaridade, ensino superior sofreram uma redução de 7% , ou seja menos 85€ de rendimento. É por isso que Portugal está-se a transformar num país de salários mínimos. Não é possível assim reter os trabalhadores com qualificações elevadas e desenvolver uma economia baseada em média-alta e alta tecnologia e no conhecimento. Não é por acaso que os trabalhadores mais qualificados têm emigrado. Uma segunda conclusão importante é que, apesar de tudo, diferenças de escolaridade determinam diferenças grandes nas remunerações recebidas pelos trabalhadores. Em 2019, ainda segundo o Eurostat, um trabalhador com o ensino secundário ganhava no nosso país em média mais 20% do que um trabalhador com o ensino básico, e um trabalhador com o ensino superior ganhava mais 71% que um trabalhador com o ensino básico. A remuneração de um trabalhador com o ensino superior era, em média, superior em 43% à do trabalhador com o ensino secundário. Mesmo com as baixas remunerações pagas em Portugal, as diferenças de remunerações determinadas pelos níveis de escolaridade são muito grandes. Mas já que tanto se fala de Pilar dos Direitos Sociais lembrar que em Portugal o desinvestimento na Educação vai-se acentuando ano após ano. Segundo dados do Instituo Nacional de Estatística, a despesa com Educação desceu, entre 2010 e 2020, de 17% para 13% o que correspondeu a uma redução de mais de 2 164 milhões de euros para a Educação em 2020. Como consequência de baixa escolaridade, baixas remunerações e de baixo stock de capital por trabalhador e, consequentemente, de uma economia com um perfil produtivo de média-baixa e baixa tecnologia e conhecimento, a riqueza criada anualmente por habitante em Portugal continua a ser muito inferior à média dos países da União Europeia como revelam os dados do Eurostat. Em média, a riqueza “per capita” criada anualmente no nosso país varia entre 62% e 67% da média da dos países da União Europeia. Em 2020, o Produto Interno Bruto por habitante médio na União Europeia foi de 29 660€ e, em Portugal, apenas de 19 640€. Em 2020, com queda 6% do PIB a riqueza criada por habitante foi muito menor, o que contribuiu para agravar as condições vida. A tudo isto ainda se associa uma subutilização maciça do trabalho que segundo o Instituto Nacional de Estatística 570 600 trabalhadores estão no desemprego e 140 700 têm emprego parcial porque não conseguem encontrar trabalho a tempo completo. Em vez de tanto folclore à volta de cimeiras expliquem aos portugueses para onde caminhamos e como é o nosso catastrófico final.
Dizer que seguimos nesta crónica dados oficiais do Instituto Nacional de Estatística, do Eurostat e de trabalhos do Economista Dr. Eugénio Rosa.
Tenham uma boa semana.

(Crónica Rádio F - 10 de Maio 2021)