sexta-feira, novembro 17, 2023

Ponto de vista

E um dia a casa veio abaixo. António Costa, primeiro-ministro de Portugal, promove a maior e mais grave crise política que o país já conheceu. Costa foi mais uma vez fiel à sua forma de ser e estar na política, protege os seus amigos, uns do peito, outros correligionários da falperra governativa.

Desde muito novo, Costa aprendeu que política se faz com e pelos amigos. António Costa tem o mérito de saber conduzir a água ao seu moinho. Costa preserva os amigos. Os que o bajulam e principalmente os que o servem.

E aqui começa a trágico comédia da vitimização e consequente demissão do primeiro-ministro.

Costa escolheu um conjunto de personagens quer governativas, quer influenciadoras na nobre arte de mercadejar.

Costa chama para o Governo o seu amigo Lacerda, ainda no governo de Guterres.

Dava ao amigo dos tempos da Faculdade de Direito o lugar de secretário de estado quando era ministro da Justiça.

Depois e já com Costa, primeiro-ministro, Lacerda exerce todo o tipo de actividades junto do governo, sem qualquer lugar como ministro ou secretário de Estado, tudo a probo no.

Mas Costa faz mais. Nomeia Lacerda como administrador não executivo da TAP, tendo negociado a reversão da privatização.

E, após algum tempo, Lacerda aparece ligado ao megaprojecto da empresa Start Campus, em Sines. Lacerda recebe como influenciador um vencimento mensal de 6 500 euros da dita empresa.

Entretanto, Costa já tinha ao seu serviço um tal Escária.

Vítor Escária, que já tinha desempenhado iguais funções no gabinete de Sócrates com as suspeitas que ainda hoje se mantêm sem que haja julgamento de nada, e coisa alguma.

Face à detenção de Lacerda e do seu chefe de gabinete a António Costa não restaria outra coisa que encontrar um pretexto e texto para pedir a demissão.

O parágrafo que termina o comunicado da Procuradoria-Geral da República fechou qualquer decisão. Ao escrevê-lo com uma assassina vacuidade, a Procuradoria-Geral da República disse ao país que as suspeitas sobre o primeiro-ministro eram suficientemente graves e sólidas para serem públicas. Nem é comparável a Sócrates. É uma suspeita expressa pela Procuradoria-Geral da República sobre um primeiro-ministro em funções. Mas se António Costa foi imprudente na escolha de certos personagens para o coadjuvarem, ainda o foi mais ao nomear para ministros gente sem qualquer preparação e sem competência. Casos como o da Saúde, com serviços hospitalares em ruptura, com um cada vez maior número cidadãos sem médico de família, com consultas e outros actos médicos adiados sistematicamente, com as negociações com os médicos sem solução à vista, com os problemas da Educação a agravarem-se, alunos sem professores, a reposição do tempo de serviço dos docentes a ser adiada, com um ambiente de greves a prejudicar seriamente a aprendizagem dos alunos com a degradação do sistema, com um poder judicial sem meios, uma bazuca de pólvora seca e tantos outros casos de completa degradação dos serviços públicos só faltava mesmo a confirmação de arguidos de ex e actuais ministros.

Ou seja, Costa percebeu que a solução era a fuga do estado de sítio que ele próprio criou e que os portugueses vão pagar a muito custo. A inutilidade e as opções tomadas neste como noutros casos por um Presidente da República não podem não devem ser também esquecidas. Até Março do próximo ano, com um primeiro-ministro demissionário e depois em modo de piloto automático, o país assistirá ao pior de todos os cenários - a mixórdia da retórica de acusações e salvos condutos dos representantes a fazerem números de contorcionista, trapezista e malabarismo para aprovarem o móbil de toda a situação - a aprovação do Orçamento de Estado que motivou a maior fraude constitucional que há memória, e terminará com o povo a deitar o papel na urna. Único acto verdadeiramente participativo numa democracia bem representada.

Tenham uma boa semana.


(Crónica Rádio F - 13 de Novembro 2023)