Naqueles
anos negros das ditaduras, salazarista e marcelista a leitura do Diário de
Lisboa era quase obrigatória.
Excepção
feita à herança Sommer que preenchia páginas e páginas do vespertino, todo o
resto era de leitura obrigatória.
Em
especial a crónica televisiva do Mário Castrim.
Mário
Castrim sabia escrever para que a censura não percebesse o verdadeiro alcance do
conteúdo dos textos, sempre com um sentido crítico apurado e uma escrita ímpar.
Professor,
jornalista, escritor, dramaturgo, crítico literário, Mário Castrim, nasceu em
Ílhavo em 1920 e morreu a 15 de Outubro de 2002.
No dia em que passaram dez anos sobre a morte de Mário Castrim, a escritora Alice Vieira, que foi esposa do crítico partilhou poemas inéditos do jornalista e crítico televisivo do Diário de Lisboa. Transcrevo aqui dois desses poemas:
No dia em que passaram dez anos sobre a morte de Mário Castrim, a escritora Alice Vieira, que foi esposa do crítico partilhou poemas inéditos do jornalista e crítico televisivo do Diário de Lisboa. Transcrevo aqui dois desses poemas:
No
retracto velho hoje cinzento
estava toda a família reunida.
– Este aqui és tu.
Este tu era eu – três anos, caracóis, calções
colete, botas.
estava toda a família reunida.
– Este aqui és tu.
Este tu era eu – três anos, caracóis, calções
colete, botas.
Este
sou eu.
É preciso guardar as provas. Os documentos.
Se um dia me fecharem as cancelas e
não me deixarem passar, aponto logo:
– Este sou eu.
É preciso guardar as provas. Os documentos.
Se um dia me fecharem as cancelas e
não me deixarem passar, aponto logo:
– Este sou eu.
–
Passe – dirá o guarda que deve haver
na eternidade – e boa viagem, sim?
na eternidade – e boa viagem, sim?
–
Claro – dirá o menino
que entretanto busca em mim
as sete diferenças
como costuma fazer no desenho
do suplemento do jornal
que entretanto busca em mim
as sete diferenças
como costuma fazer no desenho
do suplemento do jornal
***
Deste
ponto do hotel vê-se qualquer coisa
que logo desde o início se entendeu
não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca.
Daqui donde estou se vê que o Cabo é
perfeitamente ocidental o mais
ocidental possível.
que logo desde o início se entendeu
não poder ser outra coisa além do Cabo da Roca.
Daqui donde estou se vê que o Cabo é
perfeitamente ocidental o mais
ocidental possível.
Mais
do que ele, só os nossos olhos.
Eles,
para quem a terra não acaba nunca.
Eles, que tocam o ponto exacto onde
um sol de fogo prova que ela é redonda.
Eles, que tocam o ponto exacto onde
um sol de fogo prova que ela é redonda.
A
única diferença é o farol. Mas se fores tu
de noite a olhar o mar, os barcos
podem ir à confiança.
de noite a olhar o mar, os barcos
podem ir à confiança.
Obrigado,
Alice.