quarta-feira, abril 15, 2015

Ponto de Vista


O nosso distrito é, como todos sabemos, caracterizado por uma população cada vez mais envelhecida. Face a este desenvolvimento demográfico, potenciado pelo desemprego local e pela emigração forçada, abrem cada vez mais centros de dia, lares e instituições de cuidados continuados. O problema é que por detrás dessa proliferação dos denominados lares para idosos, eufemisticamente chamados de “casas de repouso”, surgiu e floresce um negócio indescritível, qual poço de petróleo em terra de pedra. Uma vez que todos caminhamos para a velhice, vou aqui descrever os contornos de algo que nos deveria envergonhar.

 Para início de conversa, são imensas as dificuldades em se encontrar um lugar digno para um idoso, a não ser que se disponha de dinheiro. De preferência, de muito dinheiro.

Com efeito, é evidente o mercantilismo da coisa. A segurança social, instituição que deveria zelar pelos dinheiros dos contribuintes que participam para o seu orçamento e fiscalizar e regular uma atividade que se pretende, antes de mais, social, limita-se a usar métodos e procedimentos que revelam o interesse que há em proteger conveniências pouco claras.

 Exigir-se, por exemplo, que os rendimentos dos filhos entrem para o cálculo da mensalidade a pagar pelo idoso, é penalizar duplamente quem já paga os seus impostos. Sobretudo quando esse cálculo é efetuado sem se entrar sequer em linha de conta com quaisquer despesas, como se o rendimento dos filhos fosse 100% alocável às situações em análise!

Mas há mais. Quando tanto se fala em privacidade dos dados fiscais, os zelosos funcionários da segurança social chegam ao ponto de pesquisar tudo o que seja propriedade rústica dos filhos ou do requerente à vaga num lar. A tudo isso somam ainda os reembolsos que o idoso recebe a título de comparticipação dos medicamentos que pagou na farmácia. Ou seja, um doente que pagou 100 e desses 100 recebe mais tarde 50, é como se tivesse tido um rendimento de 150 em vez dos 100 que tinha quando foi à farmácia.

 O resultado de tudo isto, assente em análises informáticas totalmente herméticas para o cidadão comum e em explicações que nunca ocorrem em termos entendíveis, é que a diária numa unidade de cuidados continuados, a suportar por um filho, sem qualquer comparticipação da segurança social, será de mais de 30 euros. Repito, 30 euros por dia.

Isto significa que, feitas as contas, um idoso ou os seus familiares terão de desembolsar cerca de 1000 euros por mês. A esse valor deve adicionar-se o custo das fraldas, medicamentos e restantes produtos da higiene pessoal.

Fica então a saber-se que o Estado aplica a estas situações um critério de dois pesos e de duas medidas. Por um lado atribui uma pensão de reforma ao idoso na presunção de que ela constituirá o mínimo indispensável para prover à sobrevivência do mesmo em situações de necessidade. Por outro, reconhece que isso não passa de uma falácia e por essa mesma razão vem depois exigir aos filhos que tapem o buraco de uma realidade que no entanto se recusa a reconhecer quando atribui a pensão.

Pelo meio fica um negócio de milhões, percetível logo no meio hospitalar, através de insinuações e de conselhos dados, com aspas e simpatia que baste, acerca do melhor encaminhamento a dar ao idoso. E visitar esse negócio é uma descida aos infernos. Alguns lares não passam de depósitos para velhos, destinados, antes de mais, a colocar em prática as mais recentes teorias neoliberais sobre a lei da oferta e da procura.

Hoje não há lugar ao respeito e à dignidade que um cidadão idoso merece. Hoje tudo, mas tudo, o que ao idoso diga respeito funciona em termos mercantilistas, com muitos e diversos interesses à mistura. E assim se justificarão mais uns cortes nas já magras funções sociais do Estado. Portugal é o país ideal para quem não tenha escrúpulos e goste de ganhar fortunas. No meu tempo chamava-se chico espertice. Hoje, pelos vistos, chama-se espírito empresarial. É um sinal dos tempos…
Muito bom dia.
 
(crónica semanal na rádio F - 13 de Abril de 2015)