O
nosso distrito é, como todos sabemos, caracterizado por uma população cada vez
mais envelhecida. Face a este desenvolvimento demográfico, potenciado pelo
desemprego local e pela emigração forçada, abrem cada vez mais centros de dia,
lares e instituições de cuidados continuados. O problema é que por detrás dessa
proliferação dos denominados lares para idosos, eufemisticamente chamados de
“casas de repouso”, surgiu e floresce um negócio indescritível, qual poço de
petróleo em terra de pedra. Uma vez que todos caminhamos para a velhice, vou
aqui descrever os contornos de algo que nos deveria envergonhar.
Para início de conversa, são imensas as
dificuldades em se encontrar um lugar digno para um idoso, a não ser que se
disponha de dinheiro. De preferência, de muito dinheiro.
Com
efeito, é evidente o mercantilismo da coisa. A segurança social, instituição
que deveria zelar pelos dinheiros dos contribuintes que participam para o seu
orçamento e fiscalizar e regular uma atividade que se pretende, antes de mais,
social, limita-se a usar métodos e procedimentos que revelam o interesse que há
em proteger conveniências pouco claras.
Exigir-se, por exemplo, que os rendimentos dos
filhos entrem para o cálculo da mensalidade a pagar pelo idoso, é penalizar
duplamente quem já paga os seus impostos. Sobretudo quando esse cálculo é
efetuado sem se entrar sequer em linha de conta com quaisquer despesas, como se
o rendimento dos filhos fosse 100% alocável às situações em análise!
Mas
há mais. Quando tanto se fala em privacidade dos dados fiscais, os zelosos
funcionários da segurança social chegam ao ponto de pesquisar tudo o que seja
propriedade rústica dos filhos ou do requerente à vaga num lar. A tudo isso
somam ainda os reembolsos que o idoso recebe a título de comparticipação dos
medicamentos que pagou na farmácia. Ou seja, um doente que pagou 100 e desses
100 recebe mais tarde 50, é como se tivesse tido um rendimento de 150 em vez
dos 100 que tinha quando foi à farmácia.
O resultado de tudo isto, assente em análises informáticas
totalmente herméticas para o cidadão comum e em explicações que nunca ocorrem
em termos entendíveis, é que a diária numa unidade de cuidados continuados, a
suportar por um filho, sem qualquer comparticipação da segurança social, será
de mais de 30 euros. Repito, 30 euros por dia.
Isto
significa que, feitas as contas, um idoso ou os seus familiares terão de
desembolsar cerca de 1000 euros por mês. A esse valor deve adicionar-se o custo
das fraldas, medicamentos e restantes produtos da higiene pessoal.
Fica
então a saber-se que o Estado aplica a estas situações um critério de dois
pesos e de duas medidas. Por um lado atribui uma pensão de reforma ao idoso na
presunção de que ela constituirá o mínimo indispensável para prover à
sobrevivência do mesmo em situações de necessidade. Por outro, reconhece que
isso não passa de uma falácia e por essa mesma razão vem depois exigir aos
filhos que tapem o buraco de uma realidade que no entanto se recusa a
reconhecer quando atribui a pensão.
Pelo
meio fica um negócio de milhões, percetível logo no meio hospitalar, através de
insinuações e de conselhos dados, com aspas e simpatia que baste, acerca do
melhor encaminhamento a dar ao idoso. E visitar esse negócio é uma descida aos
infernos. Alguns lares não passam de depósitos para velhos, destinados, antes
de mais, a colocar em prática as mais recentes teorias neoliberais sobre a lei
da oferta e da procura.
Hoje
não há lugar ao respeito e à dignidade que um cidadão idoso merece. Hoje tudo,
mas tudo, o que ao idoso diga respeito funciona em termos mercantilistas, com
muitos e diversos interesses à mistura. E assim se justificarão mais uns cortes
nas já magras funções sociais do Estado. Portugal é o país ideal para quem não
tenha escrúpulos e goste de ganhar fortunas. No meu tempo chamava-se chico
espertice. Hoje, pelos vistos, chama-se espírito empresarial. É um sinal dos
tempos…
Muito bom dia.
(crónica semanal na rádio F - 13 de Abril de 2015)