Quando falo em ataque
ao estado social, refiro-me, antes de mais, à erosão de direitos cívicos
básicos, como sejam os imanentes do universo do trabalho, da saúde, da
educação, da justiça, da cultura, e de tudo aquilo que faz a diferença entre
uma sociedade civilizada e outra onde impere simplesmente a lei do mais forte.
Ao nível das
autarquias, essa política expressou-se, de forma clara e contundente, com a já
tristemente célebre, apesar de recente, Lei que transforma as empresas
municipais em sociedades comerciais.
Todos estamos lembrados da génese destas empresas
municipais. Muitas delas não passaram de uma espécie de coletividade do partido
que governava a câmara. Serviram para acoitar clientelas político partidárias
bem selecionadas, que tanto jeito davam nos sucessivos atos eleitorais. Ajeitaram
a vida aos filhos, aos amigos e a muitos dos boys e girls. Permitiram a
desorçamentação de verbas astronómicas, sorvendo os dinheiros públicos à velocidade
da luz. Contribuíram, e de que maneira, para o descalabro financeiro em que o
país se encontra.
Estas empresas municipais implementaram, ao nível
autárquico, a política do betão prosseguida como desígnio nacional. Piscinas,
pavilhões gimnodesportivos, centros culturais e recreativos, enfim, todo o tipo
de outros equipamentos, cada um deles atrás do pinheiro mais próximo. Sem se
saber como seriam depois pagos e mantidos de forma sustentável.
O problema é que muitas destas empresas desempenhavam,
independentemente de discutirmos aqui se bem ou mal, a prestação de serviços
úteis aos cidadãos.
Num país civilizado, estes erros seriam corrigidos
através do ataque àquilo que está errado e da manutenção do que fosse ainda
recuperável.
No país em que vivemos, a política é, contudo, outra,
a de acrescentar mais erros aos disparates já cometidos. Com efeito, em vez de
se olhar seletiva e criteriosamente para o que é bom e para o que é mau em cada
caso, minimizando estragos, traça-se uma linha e corta-se a direito. Como se
para extrair um dente podre, fosse preciso arrancar também o coração!
A nova lei obriga a que as novas sociedades
resultantes da fusão das empresas municipais têm obrigatoriamente de ter um
exercício de atividade da qual resulte que 50% seja custeado com receitas
próprias. Não explica porque não foi o mesmo critério aplicado, simplesmente,
às empresas municipais já existentes. Nem explica como, no clima de recessão em
que vivemos, vão as empresas filhas conseguir, com tais critérios, o que as empresas
mãe não lograram alcançar em tempos de vacas gordas.
O objetivo é mesmo o de encolher e empobrecer, a
pretexto de argumentos que na sua génese parecem até credíveis - os da
racionalidade económica – o poder autárquico. Não para se fazer melhor com o
mesmo dinheiro, mas para não se fazer nada com dinheiro algum.
A prazo, todas ou quase todas estas novas sociedades
comerciais autárquicas vão ter o mesmo destino das empresas municipais. Só
porque não se mexeu nos fundamentos da coisa, que passaria por se distinguir
aquilo que é útil do que não nos faz falta.
E, recordando o clássico de Visconti, o Leopardo,
lembro me de uma frase final:
“Nós fomos os Leopardos, os Leões: os que hão-de
substituir-nos, os chacais, as hienas; e todos nós, leopardos, chacais e ovelhas
continuaremos a considerar-nos o sal da terra”.
Assim será.
Quem disser o contrário estará a mentir e a iludir os
mesmos do costume.
Por último, aqui deixo a minha indignação que julgo
partilhada por milhares e milhares de portugueses.
Refiro-me a uma frase que um tal João Salgueiro
proferiu a propósito do desemprego dos jovens.
Disse o tal João Salgueiro, que já foi ministro de um
governo chefiado por Pinto Balsemão, na célebre aliança PSD, CDS e Partido
Monárquico, foi vice-governador do Banco
de Portugal, presidente dos Conselhos de Administração Banco de Fomento
Nacional e da Caixa Geral de Depósitos e presidente da
Associação de Bancos Portugueses.
E,
é bom que se saiba, aufere agora uma aposentação da Caixa Geral de Depósitos, no
valor de 14 352 euros.
Este
Salgueiro tem o desplante de vir dizer que os nossos jovens, sejam licenciados
ou alunos universitários deviam
trabalhar na construção civil ou na limpeza de matas, a sujarem as mãos.
Ora senhor Salgueiro os nossos jovens não se importam,
nem nunca se importarão de sujar as mãos a trabalhar. Isso não é sujar as mãos.
Isso é trabalho.
Sujar as mãos é roubar.
Roubar descaradamente no BPN, no BPP, no BCP.
Roubar os portugueses em tantos outros organismos sem
qualquer legitimidade.
Sujar as mãos é reduzir vencimentos e pensões.
Sujar as mãos é retirar aos portugueses o direito às
várias protecções sociais.
Sujar as mãos é defender e aplicar políticas de
sujeição ao capital financeiro conducentes ao aumento do desemprego.
Sujar as mão é destruir o futuro de milhares e
milhares de jovens portugueses e obrigando-os a emigrar.
Sujar as mãos é destruir a escola pública e o serviço
nacional de saúde.
Isso sim é que é sujar as mãos.
Percebeu?
(Cronica na Rádio F - dia 4 de março de 2013)