Uma crónica que diz tudo sobre o estado da educação, neste Portugal de futuro.
«A razão de ser, numa primeira abordagem, leva-nos a pensar que tudo se relaciona com a autêntica “diarreia” legislativa que se apoderou da 5 de Outubro. “Caem” leis, decretos, despachos, portarias, circulares e mesmo papéis anónimos nas escolas. Isto para não falar em “powerpoints” e “roadshows” tão na berra. A confusão, as contradições, as hesitações e as incoerências campeiam. Os tribunais “malham” nas decisões/interpretações legislativas do Ministério que prossegue, inexorável, a sua marcha autista em direcção àquilo que dizem ser uma escola de qualidade, de rigor, de excelência. No entanto, a ideia que fica é que tudo não passa de uma salsada monumental. Direi mais, um embuste com todas as letras.O governo por intermédio do inefável secretário de Estado João Figueiredo já deixou, em inícios de 2007, o recado – o estado deve caminhar para um Estado mínimo, limitado apenas a funções de soberania, segurança e representatividade. Resumindo, um estado tipicamente neoliberal. Como lá chegar parece um pouco complicado mas, pedra a pedra, vão deitando abaixo o edifício do estado social em que até aqui fomos vivendo.Começou-se pelo código de trabalho (a esticar-se todo para a “flexisegurança” – mais “flexi” que segurança e em constantes alterações sempre favoráveis ao patronato), a reforma da segurança social (o eterno fantasma da falência do sistema, mas não se percebe porque motivo bancos e seguradoras desejam pegar nos fundos de pensões), a reforma da saúde (fecho e mais fecho e ainda mais fecho de centros de saúde, urgências, maternidades, etc…), a reforma da justiça (fecho de serviços, reorganização da rede, …), a reforma da administração pública (a obsessão pela avaliação, SIADAP, e outros que adiante se referirão), a reforma da educação (aqui o ponto que particularmente interessa).O importante, ressalve-se, é reter que nenhuma destas reformas está isolada. Todas fazem parte de um grande pacote com um fim único e objectivo determinado – desmantelar o estado social, implantar o estado mínimo, privatizar tudo quanto seja serviço do estado passível de gerar mais valias….
Na educação o panorama apresenta as mesmas tonalidades. A orientação governativa neste sector tem caminhado num único sentido – redução de custos tendo em vista a privatização (ou a concessão contratualizada à iniciativa privada).De momento é mais notória a vertente da redução de custos e certamente não tardarão a surgir indícios muito mais claros da deriva privatizadora (embora já existam, embora um pouco camuflados).Comecemos então pela redução de custos. Sem seguir a ordem cronológica que parece pouco importante, temos a primeira marca – o novo estatuto da carreira docente. A divisão da carreira em duas (titulares e não titulares) com limitação de acesso à primeira categoria, revela a preocupação de impedir a progressão destes profissionais. Acresce que a realização do 1º concurso (?) para titulares “tapou” todas ou quase todas as vagas para esta categoria para os próximos 20 anos!!! Isto é, na realidade a carreira de cerca de 100 000 (!!!) professores poderá terminar na melhor das hipóteses no equivalente ao antigo 7º escalão. Ou seja, em termos financeiros líquidos, uma diferença de 800 euros (aproximadamente). Se isto não visar redução de custos não sei o que pretenderá então!Mas há mais no estatuto. A tão apregoada avaliação que supostamente premiaria o mérito e a competência, na realidade revela-se mais punitiva que favorecedora de boas práticas (o diploma da avaliação é um belíssimo exemplo de más práticas – um verdadeiro labirinto, ou rede de metropolitano, como já lhe chamaram). A subtileza da atribuição de quotas para excelentes e muito bons (que possibilitariam, teoricamente, uma progressão mais rápida na carreira) revelam antes uma vontade frenética de travar essa mesma progressão (mesmo nos escalões mais baixos da carreira). Revelam a vontade de manter a classe profissional com níveis remuneratórios baixos.A introdução da prova de acesso à profissão (com todas aquelas limitações) revelam que não há grande vontade de introduzir novos profissionais na carreira. O porquê ver-se-á adiante. Poder-se-ia ainda falar de inúmeras subtilezas do novo estatuto que apontam precisamente para uma redução de custos – diminuição das reduções da componente lectiva, diminuição do período nocturno, passagem para a componente não lectiva de horas que eram consideradas lectivas, etc….Isto no que diz respeito aos professores de forma directa e objectiva, porque há outras medidas que afectam a classe, os alunos e os próprios pais dos alunos. Apontem-se apenas dois exemplos – o verdadeiro dobre de finados pelo ensino especializado com a integração de muitos dos alunos com deficiência no regime normal e o fim do ensino artístico sob a forma de regime supletivo. Com as teorias macacas de uma (pseudo) integração, de (pseudo) diminuição do insucesso e (pseudo) democratização destes tipos de ensino, acaba-se com mais algumas áreas que davam despesa ao Ministério. Alguém vai ganhar com isto, e não serão certamente os alunos, os professores ou mesmo os pais dos alunos…Mesmo o tão badalado estatuto do aluno (nas suas mais variadas versões – da benaventista à valteriana, passando pela justiniana) revelam na mais recente o seu verdadeiro objectivo – impedir a retenção (porque não dizer “chumbo”) dos alunos. Mesmo daqueles que excedem os limites do razoável em faltas! Há que os passar a todos, nem que para tal se tenham de fazer duas, três ou quatro provas… É que as retenções custam dinheiro… O Estado, por força da Constituição, é obrigado a ter os alunos na escola por nove anos! Mas não mais que isso! Atente-se a este pormenor!... Portanto, quanto mais depressa o aluno concluir a escolaridade obrigatória, tanto melhor…O objectivo continua, pois, a girar em torno do mesmo – reduzir custos… Mas há outras pequenas “nuances” para reduzir custos. Umas já correm, outras aparecerão a breve trecho. Deste último grupo refiro apenas a reforma do 2º ciclo do ensino básico, com a introdução do professor “generalista” – aquele que dá todas as disciplinas, a redução/fusão de disciplinas neste ciclo e sua eventual expansão para o 3º ciclo. As que já correm são mais sub-reptícias, não tão evidentes/visíveis, mas que produzem o mesmo efeito final – reduzir os tais custos. Um exemplo delas é o constante ataque à classe, desmoralizando-a, desvalorizando-a à face da opinião pública (a célebre frase – “perdi os professores, ganhei a opinião pública” – vinda de uma dita socióloga que quer fazer reformas é paradigmática), infernizando-lhe a vida com burocracia e mais burocracia, querendo-lhe impor uma avaliação e um estatuto infames e monstruosos, numa palavra fazendo-lhes a vida negra. Há que quebrar a “classe privilegiada” que é a dos professores; nem que para tal se tenha de usar “querra” psicológica. E depois abrem uma porta para a saída – a reforma com 33 anos de serviço e 61 de idade… São, obviamente, os mais velhos e consequentemente os mais caros que irão sair, desmotivados, fartos e cansados do enxovalho psicológico, profissional e social a que foram sujeitos. São também os mais reivindicativos, aqueles que melhor conhecem o sistema e as suas falhas, aqueles que mais se opõem a esta degradação da escola e a esta pseudo-qualidade de ensino que assim são “democraticamente empurrados” para fora do sistema. E os encargos com eles acabam por sair do Ministério da Educação e ir para à Caixa Geral de Aposentações…
Mas a construção não está ainda concluída. O ministério da Educação ainda tem muita pedra para partir até chegar ao destino. Daí que tenha urgência em proceder a inúmeras mudanças. É que “há outras gentes a obrigarem a tal serviço”. Vamos então por partes e um pouco sem respeitar a ordem cronológica das coisas, para que melhor se compreenda o caminho da carruagem.Uma das intervenções do ME e deste governo para o fim último da agenda foi criar uma empresa – Empresa Parques Escolar (EPE) – (Decreto-Lei, nº41/2007 de 21 de Fevereiro). Para além de um vasto orçamento, património, autonomia financeira e administrativa foi-lhe passada a posse/encargo e tarefa de modernizar até 2015 o parque escolar de cento e muitas escolas secundárias (antigos liceus e escolas em zonas nobres do meio urbano). A empresa tem o poder de "deliberar sobre a aquisição, alienação ou oneração [aluguer] do seu património autónomo". Bom faz lembrar um pouco um processo semelhante que se passou com a municipalização (desclassificação) de estradas – melhoria das mesmas antes de as entregar aos municípios, ou mais recentemente com a reorganização e saneamento financeiro das Estradas de Portugal (antiga JAE) para a já decidida privatização das ditas estradas. Quando chegar a altura e o porco estiver gordinho iremos certamente ver estas escolas à venda. (Repare-se que a EPE só intervém a nível das secundárias).A preparação do espaço/património edificado ficará assim resolvida no que concerne ao secundário (eventualmente com o 3º ciclo agarrado em alguns casos para garantir clientela/rentabilidade). Quanto ao básico o destino também já foi traçado – a municipalização de todas as escolas para ficarem sob a alçada (teórica) das Câmaras Municipais. A chamada “devolução à comunidade” – como se pudesse devolver uma coisa que nunca foi de quem a vai receber (enfim, contas de outro rosário). E está já previsto para Setembro de 2008. Alguns municípios ainda lançaram a escada para que os professores ficassem também sob a sua alçada (Tavira, por exemplo) … mas desta vez, pelo menos e por enquanto, o ME teve juízo. Quanto tempo mais? Não se sabe, mas Setembro de 2009 ou 2010 também já não estão muito longe.As câmaras municipais há muito que andam desejosas que tal aconteça. O motivo mais óbvio será a injecção de capital proveniente do ministério que será para aplicar nas escolas. Mas… é bem possível que outras razões existam…há escolas muito bem colocadas em território urbano…e quem sabe se não será possível embaratecer os custos recrutando outros professores? Ou contratualizar com empresas de formação? Ou ainda um pouco como aquilo que aconteceu com o recrutamento para as actividades de enriquecimento curricular do 1º ciclo! Tudo será possível. E bem sabemos como o poder autárquico é permeável a influências…Um outro aspecto que convém não descurar e que diz simultaneamente respeito ao património edificado e ao controle de despesas/custos – o fecho de escolas. Este fecho, que maior celeuma e contestação poderia provocar (e levantou mas o controle de danos foi eficiente), iniciou-se rapidamente logo no princípio da legislatura, aproveitando um certo estado de graça do governo. Também dele emanam implicações economicistas: fecham-se escolas e lugares de professores, reduzem-se as despesas com a sua manutenção e aliviam-se as câmaras municipais de alguns encargos. Em termos de futuro fica-se com um património mais concentrado, mais apetitoso para os privados, porque menos atomizado. A construção dos centros escolares para compensar o fecho das escolas segue o mesmo raciocínio – favorecer uma privatização ou semi-privatização.Se a parte edificada fica assim resolvida há ainda outras tarefas a levar a cabo de forma a tornar atraente à cobiça capitalista aquele que se afigura como sendo um dos grandes negócios do século XXI: a privatização do ensino.Uma das “grandes pedras angulares” do projecto, e que tem passado despercebida (ou pelo menos relegada para 2º plano) é a questão da gestão das escolas! O projecto de lei prevê coisas bastante gravosas para as escolas, para a democracia dentro das mesmas e escancara as portas à gestão privada. De que forma?Com o fim obrigatório do órgão colegial de direcção (conselho executivo) e a sua eleição dentro da própria escola O que o ministério quer decretar é uma alteração mais profunda do que aquilo que parece fazer crer. A nova gestão não só terá na figura do director um órgão unipessoal como passará a ser escolhido por indivíduos exteriores à escola (o novo conselho geral – que substitui a assembleia de escola e é composto por mais de 60% de membros que não estão nem fazem parte da escola). É como se fosse uma assembleia geral de accionistas… Nela estão os interesses dos pais, da municipalidade, dos interesses económicos, os grupos culturais e ainda, em minoria professores, estudantes (eventualmente) e funcionários da escola.Porquê esta pressa na alteração? Ah! Sim, as lideranças fortes!!! Mas, se a avaliação feita ao modelo vigente pelo 115-A/98 confirmou que 87% dos executivos demonstravam boa ou muito boa capacidade de liderança, porquê isto agora?Vários motivos. Novamente uns mais claros que outros… O director, ao ser escolhido da forma como acima se referiu, vai executar as políticas que forem determinadas pela mesma assembleia-geral, supervisionada à distância pelo ministério. Mas o ministério não abdica de o controlar… daí a possibilidade de ser a qualquer momento demitido. O interessante está, no entanto, na possibilidade de ser alguém de fora da escola a assumir a chefia de uma escola; alguém que venha de outra escola pública…, ou de uma escola privada ou cooperativa…, ou mesmo de fora de tudo isto, bastando que seja profissionalizado, tenha as habilitações exigidas pelo estatuto e tenha 5 anos de exercício de funções…. Até pode, no momento nem estar a leccionar…. Ora, isto não impede que uma empresa contrate um indivíduo nestas condições e avance… Com as escolas sob a alçada dos municípios abrangendo até ao 9º ano, torna-se um universo atraente para alguém investir neste sector. Só a título de curiosidade há um município que já contratou com um consórcio de empresas a construção de 4 parques de estacionamento (a serem geridos por esse consórcio), a construção de 13 novas escolas e a renovação de outras 13. O total do investimento é de 117 milhões de euros (aproximadamente), dos quais são 87 para os estacionamentos e os restantes para o parque escolar. Não acredito que o consórcio fique só com as receitas do estacionamento – demoraria décadas a recuperar o investimento; ainda para mais sabendo que a Câmara não vai investir 1 cêntimo que seja! (pelo menos assim o dizem).Voltando à figura do director e à (forte) possibilidade de este ser exterior à escola torna-se mais evidente que a função dele será sobretudo administrativa, fazendo prevalecer os aspectos burocráticos sobre os pedagógicos. E isto vai tornar-se complicado. Esse mesmo director pode transformar a escola numa empresa com a nomeação de capatazes (coordenadores de departamento) a seu belo prazer. E o Conselho Pedagógico fica também por ele, obviamente controlado. Os professores serão meros operários.Com a atribuição de autonomia financeira (progressiva ou não), o financiamento dependente dos resultados dos alunos, elaborado “por cabeça” (alunos inscritos), com os interesses de autarquias à mistura e eventuais empresas também envolvidas vai surgir uma situação fazer uma grande omeleta com poucos ovos… E, mais uma vez, isso tem custos….O orçamento pode não dar para tudo…Ainda mais; o director terá capacidade para distribuir o serviço lectivo e para renovar ou fazer cessar contratos! E aqui está um outro ponto que escapa a muita gente, fiada que está na ideia de serem quadro de escola ou de nomeação definitiva! Este estatuto/situação acabou de vez com a publicação da Lei nº 12-A/2008 de 27 de Fevereiro (Estabelece os regimes de vínculos, de carreira e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas). O artigo 88º, no nº 4 diz claramente o seguinte: “Os actuais trabalhadores nomeados definitivamente (…) transitam, sem outras formalidades, para a modalidade de contrato por tempo indeterminado.” Isto significa tão só que o contrato pode acabar já amanhã! É quase certo que o corpo especial da função pública que são os professores vão ser integrados na carreira de técnico superior (aliás, a definição dela encaixa perfeitamente na situação de professores, médicos, enfermeiros… - veja-se a referida legislação). Outro aspecto legislativo importante é que se irá aplicar aos trabalhadores da função pública a legislação geral do trabalho, com todas as implicações que tal acarretará.Assim, e para concluir esta parte, temos uma intervenção no sentido da privatização a dois níveis – do parque escolar e do edifício jurídico subjacente à escola. Da parte material creio ter ficado claro com o que se expões; da parte jurídica verifica-se uma aproximação à gestão privada (a futura legislação sobre gestão escolar, a desvinculação de toda a gente da função pública – despedimentos mais facilitados e aplicação da lei da mobilidade). Em termos legais ainda haverá alguma coisa a fazer mas tudo aponta para que antes do final desta legislatura o quadro esteja plenamente desenhado.(continua – a seguir: o destino final)
Para onde vai o sistema de ensino em Portugal? Qual o derradeiro destino? O que se pretende com tanta mudança em tão curto espaço de tempo? Não é, de facto, algo que se veja às escancaras. É todo um processo que quase diria subliminar, e do qual teremos a verdadeira percepção quando o edifício estiver quase todo terminado. Mas tente-se fazer um esboço.Com a ideologia neste momento predominante em Portugal, na Europa e em boa parte do mundo – o neoliberalismo desenfreado, é de crer que a escola seja cada vez mais encarada como uma empresa, mais uma oportunidade de produzir mais valias, e a formação/educação/ensino seja transformada em mais uma mercadoria e como tal tratada.As medidas tomadas (não apenas por este governo, mas também por muitos dos anteriores) visam alterar o paradigma inerente a uma escola de um estado social. Uma escola que se pretendia democrática, aberta a todos, respeitadora das idiossincrasias de todos e de cada um, dando a cada qual a oportunidade imprescindível para a sua valorização pessoal. Nem sempre os estados (em moldes genéricos e, particularmente o português) terão conseguido tal desiderato de forma completa mas, o pouco ou muito que foi feito possibilitou a construção de uma sociedade assente em valores diversos que, não submergindo a individualidade não escavacaram a noção de solidariedade.Por força da sociedade de hiper-consumo os valores alteraram-se e nada garante que para melhor. O individualismo reina, o hedonismo e o narcisismo campeiam, o egoísmo tudo subverte. Tudo se compra e tudo se vende. As escolas não vão escapar à sanha devoradora de fazer dinheiro.Portanto, a formação/educação vai tornar-se uma mercadoria como outra qualquer. E o desenvolvimento de empresas ligadas ao ensino está já a dar os passos iniciais. Já existem alguns grupos. A título de exemplo: o Grupo Fomento (ligado à Opus Dei -
http://www.fomento.pt/) e o Grupo GPS (liderado pelo ex-deputado socialista António Calvete -
http://www.gpssgps.pt/). Falta apenas alguma produção legislativa para se começarem a assenhorear das escolas públicas. Tal produção legislativa não deverá tardar muito, embora acredite que a sua concretização apenas venha a ocorrer com o início da próxima legislatura (2009-2013).O sistema empresarial de ensino (que Georges Ritzer apodou de MacDonaldização) reger-se-á por quatro pilares fundamentais: um programa escolar determinado centralmente pelo ministério com particular ênfase sobre a matemática e língua materna, decisões operacionais colocadas a nível de escola, utilização de exames como forma de avaliação das performances, formação de professores de acordo com a nova filosofia. Alguns destes princípios já estão a ser postos em execução pelo ministério como forma de preparação do terreno para o futuro.As escolas-empresa quando entrarem no terreno colocarão em prática os princípios estruturantes complementares do sistema: eficiência, rentabilidade, previsibilidade e controle. Como corolário deduz-se facilmente que os interesses administrativos/burocráticos e o “leitmotiv” da geração de mais valias prevalecerão sobre os pedagógicos.Este sistema será implantado sob duas formas – a primeira em resultado da municipalização do sistema de ensino básico e a segunda por uma espécie de “ajuste directo” entre o Ministério e as empresas a ser aplicado no secundário. Talvez neste caso não se chegue à privatização total mas a formas de concessão, parcerias ou contratos de associação entre o Ministério e as empresas.A primeira das formas a avançar será a municipalização do sistema, já prevista para 2008/2009. Depressa (se é que já não têm consciência disso) as Câmaras Municipais vão chegar à conclusão que não têm vocação, capacidade, meios técnicos e humanos para gerir com eficiência toda a enorme massa estrutural que lhes vai cair nos braços, com os seus problemas muito específicos e exigências muito próprias. Daí a passarem a tarefa para “empresas especializadas” transferindo-lhes na totalidade (ou quase) as competências que o governo lhes delegará será um pequeno passo. E, também num futuro não muito distante vamos ver os programas curriculares (com excepção dos programas estruturantes de língua materna, matemática e língua estrangeira – inglês) serem decididos pelos grupos de cidadãos com interesses religiosos ou económicos ou outros. Naturalmente, nenhuma dessas empresas funcionará por “amor à causa” ou por caridade. O seu objectivo será a produção de mais valias – o lucro!Como tal há que rentabilizar o sistema. Há que reduzir os custos e apresentar resultados uma vez que o financiamento do sistema será feito não apenas em função dos alunos a frequentar as escolas, mas também em função dos resultados que estes apresentarem por comparação aos resultados nacionais.Essa rentabilização poderá passar por – contratação de professores em início de carreira com contratos precários (manterão alguns titulares para dar a aparência de garantia de qualidade – talvez assim se perceba o que a ministra quis dizer que 10% de professores titulares seriam suficientes e que os 30% do primeiro concurso eram uma benesse!); cobrança aos pais de “serviços extra” (ir buscar/levar a casa, lanche a meio da tarde, ensino de música, desporto, dança após o tempo lectivo), guarda dos alunos para além da hora estabelecida, actividades em férias, etc… A escola a tempo inteiro que agora está a ser ensaiada destina-se a criar hábitos e a mentalizar a população dessa necessidade.A redução do número de professores necessários é também evidente (caso do professor generalista até ao 6º ano e possível extensão até ao 9º). Repare-se que neste último caso os que vão ter preparação específica estarão a iniciar carreira, logo, “baratitos”. Creio que será possível o alargamento da escolaridade obrigatória para os 12 anos; mas não será para o 12º ano que esse alargamento será feito. Ele incidirá sobre os três anos de pré-escolar, como forma de garantir a maior clientela possível para as “empresas-escola”.No secundário o estado progressivamente irá deixar de o financiar, assim como o fará também em relação ao superior. Começarão com aumentos lentos das propinas até ao financiamento total desse ensino pelos interessados. Ou talvez embarque (mais tarde) pelo cheque-ensino e deixe de financiar de forma directa as escolas secundárias, uma vez que não estão incluídas no ensino obrigatório (da mesma forma como o ensino profissional, artístico ou especializado).Resumindo iremos ter a breve trecho escolas distintas mas padronizadas de acordo com o projecto de cada empresa-escola; um pouco como as “charter schools” americanas (às quais já começa a surgir publicidade ao conceito em Portugal); surgirão empreendimentos que aplicarão o conceito supervisionado pela mentora inicial do projecto. Procurar-se à mais, pela própria natureza do financiamento deste ensino, uma eficácia baseada nas performances e não em função das necessidades (daí o ênfase na matemática e língua materna, factores de comparação e ponderação em termos globais). O Estado será apenas o supremo fiscalizador e subvencionador do sistema baseado nos resultados obtidos. E as escolas que não derem rendimento pura e simplesmente fecharão as portas. É a lei do mercado… Não vende, não tem resultados, não tem direito à existência!Os prejudicados serão, em larga medida, os menos favorecidos. A excelência ficará reservada para as elites.»
A história recente e futura de uma nova «demagogia educacional», a euro educadores ficou aqui bem retratada.
Esperar para ver?