Hoje
comemora-se aquele 25 de Abril de 1974, o dia em que a utopia fez
acreditar que
era
possível um país novo.
Como
diz a professora doutora Raquel Varela, em Memória e História da
Revolução, e passo a citar:
«Revoluções
não são golpes de Estado nem conspirações, que
são
dirigidas por partidos mas são feitas pelas massas, diferentes
camadas da população. Foram
3 milhões de pessoas em Portugal que
através de
greves, manifestações, ocupações, lutas sociais, construíram o
que de melhor este país teve em 45 anos. Associá-las
a um viés ditatorial, caótico, não reconhecendo que foram elas,
com o seu trabalho e formas de luta que construíram o Serviço
Nacional de Saúde com
a nacionalização de Misericórdias por médicos, enfermeiros,
outros trabalhadores e o povo na primeira linha,
a Segurança Social, a educação universal, é alinhar com a ideia,
hoje dominante, de que as maiorias não podem fazer nada de bom».
Fim de citação. Mas o povo, que o Movimento das Forças Armadas
queria que se mantivesse em casa saiu à rua e participou,
manifestou-se, deu o corpo às balas e defendeu o pequeno embrião
para que a liberdade e o desenvolvimento se pudesse realizar. E
voltando às palavras da professora doutora Raquel Varela sublinhar
que: «Nunca houve uma democracia tão plena em Portugal como nos 19
meses de revolução em que colectivamente as decisões eram
abertamente debatidas, discutidas e votadas. Nunca tanta gente
decidiu tanto na história deste pequeno país. Uma história total,
ambicionada por todos, não é só a história dos resistentes. Mas
não pode ser feita sem a história dos resistentes. Dos que não
aceitaram as ordens sem primeiro as contestar, discutir e votar. E
assim elas deixaram de ser ordens e passaram a ser aquilo que foram
em grande medida no biénio de 1974-1975: decisões coletivas sobre a
forma como uma sociedade quer viver. O
direito ao trabalho, que entretanto se perdeu, conquistou-se entre
1974 e 1975. A
transição do Estado Novo para uma democracia popular primeiro e
depois para uma democracia representativa e um estado capitalista,
que é o que se viveu depois do 25 de Novembro».
Fim
de citação.
A
tal democracia
que
chama os cidadãos a irem em manada, de tempo a tempos, deitar um
papel numa urna, que
nome mais abjecto
para um depósito
de
papéis, confinando ao povo
esse papel
ilusório
e irrisório
– votar.
Nada mais lhe é permitido pela elite.
Que coisa mais ordinária. Reduzir-se a participação dos cidadãos
ao servilismo dos votos sem lhes darem a possibilidade de
participarem na construção do seu futuro e, pior esconderem,
tornarem opaco tudo o que diz directamente respeito às suas vidas. É
o poder das elites que se auto proclamam representantes legitimados
por um
voto.
Muitos
outros poderes não são eleitos. São impostos aos cidadãos por
meio das nomeações. O
que determina o maior e mais sério de todos os crimes perpetrados na
tal democracia representativa: a corrupção, sem lei na
grei.
Mas
recordo, aqui
e
agora as
palavras sábias de Jorge de Sena publicadas em
1979, em Quarenta
Anos de Servidão. Num
momento tão difícil como o que se vive recordar as palavras do
imortal Jorge de Sena é reflectirmos sobre o que queremos deste
nosso Portugal. «Não,
não, não subscrevo, não assino que a pouco e pouco tudo volte ao
de antes, como se golpes, contra-golpes, intentonas (ou inventonas -
armadilhas postas da esquerda prá direita ou desta para aquela) não
fossem mais que preparar caminho a parlamentos e governos que irão
secretamente pôr ramos de cravos e não de rosas fatimosas mas de
cravos na tumba do profeta em Santa Comba, enquanto para
salvar-se a inconomia os empresários (ai que lindo termo, com tudo o
que de teatro nele soa) irão voltar testas de ferro do capitalismo
que se usou de Portugal para mão-de-obra barata dentro ou fora.»
Fim de citação. Para mais à frente, sempre de forma crítica,
analisar o indesejado fim. «E
que fazer agora? Choro e lágrimas? Meter avestruzmente a cabeça na
areia? Pactuar na supremíssima conversa de conciliar a casa
lusitana, com todos aos beijinhos e aos abraços? Só há uma saída:
a confissão (honesta ou calculada) de que erraram todos, e o esforço
de mostrar ao povo (que mais assustaram que educaram sempre) quão
tudo perde se vos perde a vós. Revolução havia que fazer.
Conquistas há que não pode deixar-se que se dissolvam no ar
tecnocrata do oportunismo à espreita de eleições. Pode bem ser que
a esquerda ainda as ganhe, ou pode ser que as perca. Em qualquer
caso, que ao povo seja dito de uma vez como nas suas mãos o seu
destino está e não no das sereias bem cantantes (desde a mais alta
antiguidade é conhecido que essas senhoras são reaccionárias, com
profissão de atrair ao naufrágio o navegante intrépido). Que a
esquerda nem grite, que está rouca, nem invente as serenatas para
que não tem jeito. Mas firme avance, e reate os laços rotos entre
ela mesma e o povo (que não é aqueles milhares de fiéis que se
transportam de camioneta de um lugar pró outro). Democracia é isso:
uma arte do diálogo mesmo entre surdos. E vamos ao que importa:
refazer um Portugal possível em que o povo realmente mande sem que o
só manejem, e sem que a escravidão volte à socapa entre a delícia
de pagar uma hipoteca da casa nunca nossa e o prazer de ter um
frigorífico. Ah, povo, povo, quanto te enganaram sonhando os sonhos
que desaprenderas! E quanto te assustaram uns e outros, com esses
sonhos e com o medo deles! E tu, canção-mensagem, vai e diz o que
disseste a quem quiser ouvir-te. E se os puristas da poesia te
acusarem de seres discursiva e não galante em graças de invenção
e de linguagem, manda-os àquela parte. Não é tempo para tratar de
poéticas agora.».
Fim de citação. Jorge
de Sena bem que profetizou que às elites só interessa abanar a
árvore das patacas. As
celebrações sejam elas de comezaina
ou
de carácter cerimonioso com punhos de renda e leques têm lugares
cativos para as elites.
E
a medalha essa tão capiciosa mas também chistosa forma lusitana de
bajulação não
faltará.
São às centenas. Não se esqueçam dos pides, bufos e tantos outros
que viraram a casaca. Brindes
e hinos não faltarão nas
hipócritas
celebrações.
Discursos efusivos e arrebatadores de línguas
sujas,
mais que muitos.
O
25 de Abril é de todos, sejamos dignos dos seus ideais
mesmo que utópicos mas sejamos capazes de o defender na
sua verdadeira pureza.
Tenham
uma boa semana e comemorem dentro do possível a data histórica.