sexta-feira, dezembro 23, 2016

PONTO DE VISTA

Esta semana deu à estampa um manifesto assinado por várias personalidades da vida académica, defendendo a democracia nas escolas. Fundamentalmente, criticam-se os efeitos do atual modelo de direcção unipessoal de escolas e agrupamentos, pugnando-se pelas vantagens da chamada “gestão democrática” assente no anterior modelo do “conselho directivo".
Citando o manifesto, “assistimos a uma crescente desvalorização da cultura democrática nas escolas e à anulação da participação colectiva dos professores, dos alunos e da comunidade educativa. Verifica-se, pelo contrário, uma tendência para a sobrevalorização da figura do director de escola ou de agrupamento de escolas, sendo, ao mesmo tempo, subalternizado o papel de todos os outros órgãos pedagógicos e desencorajada a participação de outros elementos da comunidade escolar. Esta situação é igualmente reveladora da erosão da identidade de cada escola quando esmagada pelo peso da estrutura de direcção unipessoal de governo dos agrupamentos”. Fim de citação.
Parece-me claro que a transformação da direcção de escolas e dos agrupamentos num modelo unipessoal, acompanhada por uma política de mega-agrupamentos que diminuem substancialmente o número de unidades orgânicas, se inscreve na sempre presente tentação de controlo político do sistema.
Todos nós conhecemos casos que mais não são do que formas de colocar pessoas com o alinhamento certo na função. Aliás, o próprio funcionamento dos conselhos gerais é, em muitos casos, um exemplo disso mesmo.
Por outro lado, importa referir que o sistema enferma de uma notória ausência de dispositivos de autorregulação. Torna-se assim impossível monitorizar, comparar e escolher o melhor e o mais eficiente sistema de gestão das escolas e agrupamentos.
Atualmente, a eleição da direcção de escolas e agrupamentos parte de um conselho geral maioritariamente constituído por elementos do corpo docente, escolhidos a dedo, tornando quaisquer outros elementos, pela míngua do número, em figuras meramente decorativas. A representação residual dos alunos é a regra.
Para piorar as coisas, assistimos a um progressivo esvaziamento da participação de outros órgãos, nomeadamente o Conselho Pedagógico, as Associações de Pais e Encarregados de Educação e as próprias Associações de Estudantes que em muitos casos são domesticadas por forma a não levantarem problemas. Prevalece assim a instrução sobre a educação.
Camões já afirmava que “fraco rei torna fraca a forte gente”, o que numa actualização republicana se poderá entender como a defesa de lideranças competentes, apoiadas em mecanismos de eleição alargados e transparentes, e socorrendo-se de gestão participada, e, insisto, de processos de regulação que previnam excessos e abusos.
Alguns mediáticos episódios na contratação de docentes ou de funcionários ou relacionados com o desempenho nas denominadas “áreas de educação complementar” são a prova de quão negativa pode ser esta forma de gestão.
Eisntein costumava dizer que educação é tudo aquilo que resta depois de esquecermos o que aprendemos na escola. Queria com isto dizer que se aprende melhor pelo exemplo do que pela escolástica. Um exemplo de democraticidade, gestão partilhada e responsabilidade cívica terá muito mais influência na vida dos futuros homens e mulheres da nossa nação do que a inundação de conhecimentos num ambiente em que tais exemplos sejam apenas uma miragem.
Alguém dizia que a educação do carácter não se faz por meio dos livros. Faz-se por meio da educação, que é coisa diferente. A instrução, essa, apenas forma o talento. E apenas quando ele existe. 
Muito boa semana para todos.


(Crónica na Rádio F – 19 de Dezembro 2016)