sexta-feira, dezembro 02, 2016

Ponto de Vista


Deram à estampa novos estudos sobre a pobreza em Portugal, precisamente quando, no Parlamento, se aprovava mais um orçamento no meio das agora denominadas “disfuncionalidades cognitivas permanentes”.

À margem do espetáculo político, Manuel Carvas Guedes, responsável pela Sociedade de São Vicente de São Paulo do Porto, que apoia mais de 13 mil famílias todos os anos, garante que há inúmeras “Crianças que não tomam o seu leite quando deviam tomar, não comem fruta, não comem carne e outros alimentos que são essenciais para o seu desenvolvimento” e que há "muitas situações de jovens a meio dos seus cursos superiores, em que os pais ficaram desempregados e não conseguem continuar a pagar os estudos”.

Por seu lado, o Instituto Nacional de Estatística informa secamente que uma em cada cinco pessoas em Portugal é pobre. O Inquérito às Condições de Vida e Rendimento divulgado pelo Instituto revela que o número de idosos que vivem em privação material aumentou entre 2013 e 2014, atingindo um em cada quatro. Em 2013, último ano com dados disponíveis e trabalhados, "a proporção mais elevada de pessoas em privação material" encontrava-se no grupo dos menores de 18 anos (27%), situação já observada em anos anteriores, mas foi sobretudo a proporção de idosos em privação material a que mais cresceu entre 2013 e 2014 (de 23% para 25%)".

Os dados do INE estabelecem Portugal como o país mais desigual na Europa, com cerca de cinco milhões de portugueses em risco de pobreza. Cerca de 70% das pessoas em risco de pobreza e em privação material não têm capacidade financeira para realizar exames e tratamentos médicos. Em 2014, 6% da população com 16 ou mais anos referiu que, em pelo menos uma ocasião, necessitou de cuidados médicos e não os recebeu, e 19% necessitou de cuidados dentários e não os recebeu. A falta de disponibilidade financeira foi a principal razão apontada para a não realização dos exames e tratamentos médicos ou dentários necessários, o que atinge particularmente as pessoas em situação de maior vulnerabilidade.

Para que não se julgue que subsiste um erro de perspetiva por parte do INE, Portugal foi, segundo o Relatório da Crise da Cáritas Europa 2015, o país europeu em que mais aumentou o risco de pobreza e de exclusão social em 2014, logo seguido pela Grécia, batendo ainda Chipre, a Irlanda, a Itália, a Roménia e a Espanha neste campeonato da desgraça. Esse risco subiu 2,1 pontos percentuais, para 27,5%, contra uma média de 24,5% na UE.

Outro dado relevante é que Portugal, apesar de toda a austeridade e de todos os sacrifícios pedidos, tem a segunda maior dívida pública em comparação com o PIB (128%) logo a seguir à Grécia (175%).

A Cáritas adverte ainda que "um número significativo de pessoas empregadas" não está abrangido pelas redes de segurança normais, como as prestações de desemprego ou a assistência social, e que é preciso assegurar de "uma vez por todas e sem qualquer preconceito" um rendimento mínimo para todas as pessoas que lhes permita "viver com dignidade" e reduzir as desigualdades, "criando emprego a médio prazo". Para isto ser possível, a riqueza gerada tem de ser distribuída "com justiça" e têm de ser criadas condições para um "combate eficaz à evasão fiscal" e para que haja "taxas justas e equilibradas para todos os sectores da sociedade" e "um equilíbrio justo na repartição dos sacrifícios", defendeu. O relatório baseia-se na combinação dos números oficiais do Eurostat e dos institutos nacionais de estatística com a informação recolhida "no terreno" pelas Cáritas existentes nestes países, proporcionando "uma temperatura muito precisa da situação socioeconómica da população", desde a classe média até aos mais vulneráveis.

Face ao contraste entre esta triste realidade e o resto, como diria qualquer simples homem do povo, alguém que explique por favor aos nossos deputados que “na prática a teoria é outra”.
Muito bom dia a todos.
 
(Crónica Rádio F -28 de Novembro 2016)