quarta-feira, junho 08, 2016

Ponto de vista


Sempre defendi que desde tempos imemoriais Portugal tem dos melhores intrujões do mundo. Embora, claro, não conheça tão bem os de outros países, ninguém me convence do contrário.

Quem não conhece a célebre expressão “fare il portoghese”? Os italianos chamam “portoghese” às pessoas que entram nas festas sem serem convidadas ou nos espectáculos sem pagarem bilhete. A expressão nasceu de uma autorização papal por alturas de uma embaixada de D. Manuel I ao Vaticano, em 1514. Em sinal de reconhecimento, o Papa deu ordens para que se deixassem entrar os portugueses em todas as festas. Claro que alguns italianos logo se aproveitaram da situação, bastando-lhes para tal fazerem-se passar por nós à custa de um lacónico “io sono portoghese”. Mas quem ficou com a fama fomos nós! E pese embora a injustiça histórica, não foi por acaso que Deus permitiu que assim se escrevesse direito por linhas tortas.

Entre os intrujões portugueses que não faziam parte dessa real comitiva ao Vaticano contar-se-ão astrólogos, médiuns, pastorinhos, políticos aos magotes, escritores, banqueiros e figurões do género…

Enfim, em matéria de charlatanismo, poderíamos facilmente resolver o desequilíbrio da nossa balança comercial aumentando enormemente as nossas exportações ou afinando a qualidade da nossa oferta turística. É que os nossos são dos bons, estilo vintage, dizendo verdades que parecem aldrabices e aldrabices que parecem verdades. Da santinha da ladeira à taróloga Maya, passando por Alves dos Reis e reis sem tostão, é um ver se te avias. Abre-se uma gazeta qualquer, mesmo das ditas cor-de-rosa, e lá estão o Fati, o mestre Sane e o professor Bandu, conhecidos e reconhecidos internacionalmente. Prometem felicidades ou facilidades e afirmam-se capazes de tratar à distância qualquer mal ou de resolver os problemas mais difíceis e desesperados, tais como injustiça, carta de condução, ou amarração de maridos ou de amantes e de sei eu lá mais do quê.

Resolvi testar a sabedoria de um deles, expondo um grave problema que me afecta há décadas e que dá pelo nome de prisão de ventre. Em pouco mais de trinta segundos tive o meu problema resolvido e obrei-me a rir.

É como vos digo, charlatães não nos faltam. Estamos tão bem servidos deles que muitos chegam a CEOs, administradores ou presidentes de qualquer coisa. E outros até a ministros da nação ou mesmo mais acima. Por muito longe que cheguem, estão no entanto sempre demasiado perto de nós. Sente-se-lhes o bafo no pescoço, até quando dormimos.

O problema é que o país ainda não reconheceu o verdadeiro valor desta gentalha. Pensando muito a sério nesta autêntica galinha dos ovos de ouro, vejo chegada a hora de readequarmos o nosso discurso a quem nos pretenda visitar. Não espero dos ouvintes senão que aceitem a seriedade, o desprendimento e a honestidade do meu pensamento e das minhas propostas.

Imagine-se a romaria de turistas, muitos deles idosos e economicamente bem-apessoados e sem sequer falarem português, a solicitarem consultas aos tarólogos lusitanos ou quiçá a frequentarem cursos de verão no nosso país sobre a arte de bem se enganar a toda a sela. Um mimo!

Esqueçam festas, romarias, arraiais com sardinha assada, feijoada de tripas, sangria, vinho americano ou libações do género. Em termos de vigarice não somos só meia-dúzia de gatos-pingados, somos quase 11 milhões! Há por isso que combater nas praias, nos centros históricos, nos parques de campismo, enfim, em todo o sítio em que um turista apareça num dia qualquer. Há que mostrar ao mundo que os italianos, quando se referem “al portoghese”, afinal sabem bem do que falam!

À boa maneira lusitana, só reclamo para mim uma pequenina comissão por serviços prestados. Nada de medalhas no 10 de Junho, que a barriga não se enche com virtudes mas antes com feijões. Nem que sejam de lata. Coisa que por sinal em Portugal nunca faltou a ninguém e que bem poderia ser o nosso petróleo. 

Tenham por isso um muito bom dia!
 
(Crónica Rádio F - 06 de Junho de 2016)