quarta-feira, maio 11, 2016

Ponto de Vista


A questão do fim dos programas-contrato para o ensino privado tem levantado muita celeuma e dado azo a muita declaração ou tomada de posição relativamente desligada da realidade. É por isso importante uma discussão séria e isenta acerca do assunto. É que de educação todos parecem agora perceber. A velha tradição portuguesa do treinador de bancada, aplicável a todos os temas da vida, não ajuda ao esclarecimento.

Antes de se formularem juízos, é imperativo ouvir os directamente interessados e também os técnicos que, pela sua formação e pela sua experiência no terreno, podem opinar com conhecimento de causa. De preferência, despidos de preconceitos e desligados de interesses particulares.

Considero, sem falsas modéstias, ser uma dessas pessoas. Pelo menos, ao contrário de muitos que opinam por aí, sou licenciado em Educação e conheço a história do ensino, dos motivos que conduziram a certas políticas ditas educativas, dos caminhos traçados e dos resultados e impactos no desenvolvimento das sociedades.

Como ponto de partida importa dizer que o país vive uma situação de constrangimento orçamental. Portugal é um país pobre – ou pelo menos muito mal governado – e por isso vive, ou se quiserem, sobrevive, com balões de oxigénio. Mas o discurso da necessidade de racionalizar recursos e de os distribuir de forma a promover uma política educacional assertiva e impulsionadora do desenvolvimento económico do país, não justifica tudo. Nem a discussão dos rankings e do tipo de provas de aferição e de exames permitirá algum dia – num país como o nosso – afirmar que este estabelecimento ou tipo de ensino é melhor do que aquele. Há demasiados factores a distorcer a realidade para que tal seja possível.

Muito menos se deve reduzir a discussão à questão do desemprego do pessoal docente que pode advir de uma correção de certos excessos no sector privado que se vinham praticando através de duplicação no uso de dinheiros públicos. É muito mais importante salientar que a grande maioria do ensino privado não aceita alunos com necessidades educativas especiais. E que o sistema está formatado para que os alunos ditos difíceis sejam convidados, entre aspas, a abandonar as instituições.

Importa perceber que a qualidade do ensino tem tudo a ver com políticas educacionais, como a redução do número de alunos por turma, os acompanhamentos pedagógicos, o profissionalismo dos que exercem funções educativas, ou as alterações dos currículos, tudo com o objetivo final de promover o gosto pela aprendizagem e a criação de hábitos de trabalho individual e em equipa.

Mas nem a eliminação dos Mega agrupamentos e a recuperação da ideia da estrutura funcional do ensino por ciclos, respeitando o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, ou a perceção da importância do ensino profissional em todo o processo, permitirão resolver todos os problemas. Isso só acontece se formos capazes de perceber o que fez realmente o ensino privado ganhar tanto terreno nos últimos anos.

Enquanto, por exemplo, não tivermos transportes públicos adequados para as escolas do Estado, horários de funcionamento adaptados aos ritmos de vida das famílias ou oferta de qualidade no ensino artístico, não será possível combater o demagógico discurso dos lóbis da educação privada. Ora, tal só é possível aumentando o orçamento da escola pública e contratando as pessoas com as capacidades necessárias. Caso contrário facilitaremos a falácia daqueles que argumentam sistematicamente que se está a diminuir o acesso das crianças a escolas privadas que oferecem o transporte, sem se garantir o autocarro para a escola pública.

Se nada se fizer neste capítulo, a direita encontrará o contexto social propício – quando um dia regressar ao poder – para voltar a alimentar o negócio dos privados e a depauperar a escola pública. E isso se for meiga. Porque se estiver no estado de espírito que agora a domina, nem sei o que poderemos esperar…
 
 Muito bom dia a todos.
(Crónica na Rádio F - 9 de Maio de 2016)