terça-feira, março 08, 2016

Ponto de vista


A última semana trouxe mais uma vez, pelas piores razões, o nome da Guarda para a comunicação social. Desta feita, devido ao corte abusivo de árvores na avenida de Salamanca. Trata-se de mais um exemplo de gestão desastrosa de dossiers que deveriam à partida ser simples e técnicos.

 Tanto quanto foi dado perceber ao cidadão comum, deu em tempos à estampa um estudo da UTAD – Universidade de Trás-Os-Montes e Alto Douro – que recomendava o abate de uma árvore doente e a poda fitossanitária de mais umas quantas. O problema é que a árvore doente foi cortada em 2015 e ninguém conseguiu ainda explicar de forma credível a razão para o abate de várias dezenas de árvores na semana passada.

Em Portugal continua a lidar-se muito mal com as questões ambientais, seja do ponto de vista dos projetos e posterior implementação em obra, seja do ponto de vista da relação do poder com os cidadãos. No caso da Guarda os problemas atingem uma dimensão ampliada pela interioridade, fator que em si mesmo acarreta todo um conjunto de problemas específicos aos cidadãos, os quais por sua vez tendem a relegar para segundo plano todas estas questões. Ou pelo menos assim pensam aqueles que nos governam…

Desde o abate das célebres tílias para se construir a avenida Alexandre Herculano, à manutenção da poluição e consequente morte do rio Noéme, passando pela existência de freguesias ainda sem saneamento básico, a Guarda tem sido vítima de tudo o que é atentado ambiental. Reina uma espécie de impunidade que torna todos estes incidentes em rotinas emblemáticas da forma como se vai exercendo por aqui o poder.

O facto de – desta vez – uma providência cautelar movida por um grupo de cidadãos ter feito suspender o abate, não altera a substância da questão. É assim que os políticos estão habituados a fazer e nada nos leva a crer que vão mudar. Como se fosse já uma tradição. Por isso a pergunta que se coloca nem sequer é a de se saber por que razão isto aconteceu. A pergunta correta deve ser “porque é que isto continua a acontecer”?

A verdade é que os últimos anos revelaram uma vontade em nos fazer descer ao nível do 3.º mundo em diversos aspetos da nossa vida social e comunitária. Não é só nas condições de trabalho, nas regalias sociais e nos salários que nos querem pôr os olhos em bico. Agora é também no ambiente!

O nível de desenvolvimento de um país não se mede apenas pelos indicadores económicos, pelo PIB, taxa de desemprego ou nível da dívida pública. Mede-se também pela consideração e respeito com que são tratados os cidadãos. Ou, neste caso, os munícipes.

O registo de Álvaro Amaro em questões de urbanidade, humildade e educação cívica não é, como se sabe, notável. Por isso o mínimo que se poderia esperar é que estivesse quieto. Afinal, para árvores que demoram 400 ou 500 anos a atingir a 3.ª idade, o tempo de vigência de um mandato camarário não passa de um pestanejar biológico. Se alguma razão houvesse para cortar árvores, não imagino manifestações ou protestos no caso de o corte se atrasar ou arrastar por mais um ou dois anos.

Assim, a pergunta sacramental é a seguinte: “porque insiste Álvaro Amaro em dar tiros no pé, ficando associado a mais uma gratuita polémica que nos trás à memória aqueles caciques das cidades tipo Sucupira”? A resposta é simples: “porque Álvaro Amaro não sabe fazer de outra forma”. De facto, Álvaro Amaro tem tanto jeito para lidar com assuntos destes de forma sensata e equilibrada como eu tenho para saltar de um avião com os olhos vendados e sem paraquedas…

Um velho provérbio dos índios Cree, uma antiga tribo americana, diz qualquer coisa como “só após a última árvore ser cortada, o último peixe pescado e o último rio envenenado, o homem descobrirá que dinheiro não pode ser comido”. Álvaro Amaro pode até não saber o que é um índio, uma árvore, ou um rio. Mas sabe de certeza o que é o dinheiro. Acho eu.

Ainda assim, Álvaro Amaro não acredita na sabedoria dos índios Cree. E pelos vistos nem tão pouco na dos guardenses. Muito bom dia a todos.
 
(Crónica na rádio F - 07 de Março de 2016)