terça-feira, fevereiro 23, 2016

Ponto de vista


Hoje, por se tratar de um tema que não pode deixar de interessar à maioria dos ouvintes na casa dos 50 ou 60 anos, vou falar da aprovação pelo Governo das novas regras sobre as reformas antecipadas. Uma pesquisa rápida sobre o assunto permite constatar que o atual Governo se limitou a recuperar o "regime transitório" aprovado pelo anterior Governo. As enormes penalizações já existentes, essas, mantêm-se no essencial. A única verdadeira novidade consiste na possibilidade de o trabalhador poder agora obter um cálculo prévio daquilo que ficará a receber, decidindo depois em face disso se quer ou não avançar em definitivo com o processo de antecipação da sua reforma.
 Deixando aqui um exemplo, até agora um trabalhador com uma carreira contributiva de 40 anos de descontos obrigatórios, por exemplo alguém que tenha 55 anos de idade e que tivesse começado a trabalhar aos 15, não podia, ainda assim, requerer a reforma antecipada por não estar cumprida outra condição fundamental, a de ser suficientemente “idoso”.
A partir de agora pode fazê-lo, mas apenas em teoria. De facto, descobrirá que vai receber apenas 176 euros mensais, valor bastante inferior aos cerca de 260 euros da pensão mínima. Esta situação é suficientemente dissuasora e transformadora da eventual antecipação de reforma numa miragem. Na prática as pessoas vão continuar a ter de trabalhar até muito mais tarde, podendo nalguns casos, por maioria de razão aqueles que começaram a trabalhar muito cedo, ter de construir carreiras contributivas superiores a 45 ou 50 anos para poderem ter direito à reforma completa.
Quando ainda não era primeiro-ministro, António Costa disse que quem pensa como a direita acaba a governar como a direita. E de facto não disse mentira nenhuma. Num tempo em que o desemprego sexagenário irá continuar a arrastar-se por aí, a par de uma redução de 0,75% na TSU para os empregos menos qualificados, constata-se que o dinheiro que existe para financiar esta borla governativa aos patrões é exatamente o mesmo que não existe para garantir velhices dignas a quem não teve o direito a gozar a sua juventude.
O governo quis deixar no ar a imagem de uma recompensa para as carreiras contributivas mais longas dando de facto com uma mão – a tal possibilidade de reforma antecipada – mas tirando logo tudo com a outra – a penalização que fará com que ninguém recorra a tal mecanismo inútil.
Em vez de uma redução, quer na idade da reforma, pelo menos das carreiras contributivas mais longas, quer no horário semanal de trabalho, facilitadoras por si só de um alargamento do número de pessoas empregadas, o governo optou afinal por mais uma operação de cosmética política.
Aquilo a que se assiste cada vez mais é a uma série interminável de apostas na continuidade que vão sendo demagogicamente vendidas como alterações de orientação da política económica, quando definitivamente não o são.
É difícil explicar aos portugueses os meandros destas decisões sobre carreiras contributivas e reduções de pensões. O governo recorre por isso à maquilhagem das deliberações na proporção inversa do mérito das políticas implementadas. Quanto mais a política é parecida ou igual à do anterior governo, mais o atual governo se esforça por nos tentar convencer do contrário, deixando na cabeça dos menos esclarecidos uma confusão do tamanho da sua necessidade em terem um dia uma pensão suficientemente digna e justa.
O Ilusionismo é a arte performativa que tem como objetivo entreter o público dando a ilusão de que algo impossível ocorreu. Os praticantes desta atividade designam-se por ilusionistas ou mágicos. Será que este governo quer dar às seguradoras o que o outro deu aos bancos?
E, já agora, onde fica a subvenção vitalícia dos políticos no meio desta ilusão?
Ou será que essa subvenção é um direito adquirido para uns e um encargo fiscal para muitos dos outros?
Responda quem souber e quiser.
Tenham um muito bom dia.
 
(Crónica rádio F  - 22 de fevereiro de 2016)