sexta-feira, fevereiro 19, 2016

Gostei de ler


«Uma empresa chamada “Work 4 U – Gestão de Carreiras” colocou esta semana na internet um anúncio que dizia: “Receba sem compromisso, um estagiário durante 2 dias!” E por baixo: “EXPERIMENTE GRÁTIS”. Exactamente assim, com este vocabulário. Em pleno século XXI, na Europa, é possível publicar um anúncio destes, sem uma única informação adicional. A como sai cada estagiário ao quilo? Não dizem. Em que condições está a dentição dos estagiários? Omitem. As grilhetas vêm de origem ou são um extra? Não revelam. Como podem as empresas tomar decisões informadas se o marketing falha desta maneira? É esta a sociedade moderna em que queremos viver?
O resto do anúncio é igualmente insatisfatório. Diz assim: “Condições de pagamento à Work4U: 1 ano de estágio a pronto: 969€ (desconto 15% – poupa 171€); 6 meses a pronto: 510€ (10% desconto – poupa 60€); Pagamento mensal: 95€/mês (pago em débito directo)”. Como é evidente, saúda-se que os estagiários estejam em promoção, mas creio que os preços continuam a ser demasiado elevados. Não quero com isto menosprezar o valor do trabalho da Work4U. Recrutar e comercializar estagiários é uma actividade difícil, porque gente desesperada para entrar no mercado de trabalho costuma ser má de aturar. Choradeiras, perguntas parvas (por exemplo: “Dentro de quantos anos começarei a receber um salário?”) – enfim, há de tudo, e é realmente exasperante. Mas o empresário que busca trabalho gratuito e depois é confrontado com um pagamento sentir-se-á burlado, e com razão.
O mercado do trabalho gratuito necessita de regulamentação urgente, para evitar situações como esta, que roçam a imoralidade. Sobretudo porque esta tabela de preços é concluída com uma nota inaceitável: “Acresce IVA e taxa de activação de 60€ por estagiário”. Ou seja, ao que parece, mesmo depois de efectuado o pagamento, a empresa recebe o estagiário desactivado, e só após o depósito da taxa de activação consegue que ele comece a desempenhar tarefas. No entanto, não é fornecido um PIN ou um PUK, para o caso de o estagiário bloquear no serviço. 
Mas o escândalo maior vem no rodapé do anúncio: “Apoio ao estagiário: Adicionalmente, é a sua empresa que define o valor mensal de apoio que pretende pagar ao estagiário, para custo de transporte e alimentação.” Mais uma alcavala inopinada imposta pela Work4U, numa manobra que se aproxima perigosamente da vigarice e da exploração. Só no fim do anúncio, e em letras pequenas, nos é comunicado que estes estagiários pretendem não só alimentar-se e fazer-se transportar para a empresa que os acolhe como ainda têm a intenção de cobrar essas despesas extravagantes. Ao preço de 969€ anuais por cada estagiário, será demais esperar que seja a própria Work4U a construir uma senzala, ainda que provisória, dentro da empresa ou na sua vizinhança, senzala essa na qual os estagiários possam pernoitar? Convém corrigir estes pormenores, para que a comercialização do trabalho gratuito possa reaver o prestígio que já teve noutros séculos.» - Ricardo Araújo Pereira, na Visão.