terça-feira, janeiro 26, 2016

Ponto de vista

Estou curioso! Sim, caros ouvintes olhem que estou mesmo curioso. Agora que está encerrado o dossier das presidenciais, estou em pulgas para perceber como vai Marcelo Rebelo de Sousa lidar com alguns dos contextos que foram impactantes no resultado destas eleições.
Atentemos, por exemplo, na dececionante prestação de Maria de Belém. Ou confrontemos o resultado do candidato do partido comunista com o de Tino de Rans. Ninguém acredita que a culpa do desaire eleitoral da candidata da ala direita do PS é culpa apenas das divisões do partido. Ou que o espalhanço de Edgar Silva se deva só ao charme de Marisa Matias.
Se por um lado Maria de Belém apontou um canhão à cabeça quando se soube que fazia parte da lista de deputados que protestaram no Tribunal Constitucional contra a revogação das subvenções vitalícias dos políticos, não é menos verdade que o mesmo assunto há-de ter sido a sua relevância no quase empate eleitoral entre Tino de Rans e Edgar Silva. Só que aqui a coisa funcionou mais ao nível do subconsciente.
Não quero com isto insinuar que o candidato comunista também defendia essas subvenções. Muito pelo contrário! Foi até muito claro na condenação da situação. A coisa deu-se a outro nível.
Enquanto a campanha de Tino de Rans ou de Marisa Matias os colocava a milhas de qualquer ideia de privilégio ou de colagem ao sistema, Egar Silva nunca se conseguiu libertar da fórmula do candidato, entre aspas, “já habitual”. Isto é, daquele candidato que afinal também é do sistema. Sim, porque hoje já se pode dizer que o PC também tem lá o seu sistema…
Da mesma forma, Maria de Belém não conseguiu descolar das suas antigas ligações ao grupo Espírito Santo na área da saúde e a outros interesses do género. E então quando se soube da famigerada lista dos defensores das subvenções vitalícias, foi um desastre. Um submarino com as comportas abertas não teria conseguido afundar tão depressa.
Num contexto destes, a maioria dos eleitores ou vota pelo sistema, ou vota contra ele. E dentro do sistema, claro, os eleitores distribuem-se grosso modo pelas duas principais alternativas. Daí a votação em Marcelo e Sampaio da Nóvoa. À margem do sistema, foram Marisa e Tino de Rans os beneficiários. A questão é agora a de se saber como vai o vencedor do sistema lidar como temas que mantêm vivo o “não-sistema”, e previsivelmente com tendência para crescerem…
Um povo martirizado e sofrido vai estar mais sensível a questões como aquela que afundou Maria de Belém e, por arrastamento, à ausência de estratégia e de coordenação do PS. Isto não é tempo para se comprarem faqueiros de prata. Marcelo, que percebe mais destas coisas a dormir do que muita gente acordada, terá consciência daquilo que escapou a Maria de
Belém e também a uma parte significativa do partido que suporta o governo.
O problema é que a honestidade intelectual e a ética, em política, têm um preço. Convém recordar que deputados da mesma direita que apoiou Marcelo também subscreveram o pedido ao tribunal Constitucional assinado por Maria de Belém… Se Marcelo se quiser tornar, digamos, numa espécie de presidente “à Robin dos Bosques”, coisa populista que cai sempre bem entre a arraia-miúda, vai a prazo ter contra si mais inimigos unidos do que aqueles que gostaria. E não serão uns inimigos quaisquer, sabendo nós que até no PSD há muito quem não morra nada de amores por ele...
Palpita-me que Marcelo vai estar cada vez mais entalado entre a incoerência de um Tribunal Constitucional que sustentou as subvenções com o argumento da dedicação à causa pública - critério que já não aplicou à perda de direitos dos trabalhadores - e uma realidade que não se compadece em nada com o colinho com que as televisões o elegeram e que até inclui um “anti-sistema” robustecido e a pressentir vitórias futuras. É por isso que estou mesmo curioso. E diz-nos a História que não há nada mais perigoso para um político populista do que a curiosidade dos outros.
E, já agora percebam que quando a direita ganha a esquerda, TODA a esquerda, perde. Ou será que não?
Muito bom dia a todos.

(Crónica na Rádio F - 25 de Janeiro de 2016)