quarta-feira, novembro 25, 2015

Ponto de vista


Quem não se recorda, aqui há uns meses atrás, do pomposo anúncio protagonizado pela ministra das Finanças, acerca de uma esperada devolução, em 2016, em parte ou no todo, da denominada sobretaxa de IRS?

Importava na altura dar a noção de uma consolidação confiável das contas públicas, pretendendo-se que vingasse publicamente a ideia do mérito das políticas de austeridade no esperado sucesso de tal proposta. A apoiar esta estratégia estavam as constantes declarações de Passos Coelho e de Paulo Portas, sempre no sentido de um inamovível apoio às teses de que, por ação do governo, estávamos a sair da crise e que por isso os portugueses deveriam confiar novamente o seu voto aos partidos da coligação.

Do outro lado da barricada estavam aqueles que descriam no sucesso de tais políticas e que sempre defenderam que uma austeridade desproporcionalmente suportada pela classe média só nos conduz a lado nenhum. Chamaram inclusivamente a atenção, à medida que os números projetados em cada mês para a referida devolução de sobretaxa apoiavam – aparentemente – as teses de Passos Coelho, para aquilo que consideravam ser uma fraude em curso com o objetivo de manipular expectativas e estados de espírito em vésperas de um ato eleitoral.

Os próprios trabalhadores dos impostos, ou pelo menos alguns deles, trouxeram a público a suspeita de retenção indevida de reembolsos de IVA às empresas, como o objetivo de empurrar com a barriga a realidade para mais adiante, se possível bem para lá do dia 4 de outubro. Foram veementemente desmentidos e até maltratados pelo governo passista.

Agora, mais perto do fim do ano, e tendo já como distante o referencial das eleições passadas, a realidade impôs-se. A devolução de sobretaxa antes prometida com pompa e fanfarra vai, afinal, ser igual a zero. 

Claro que o assunto não podia ficar por aqui. Por um lado, porque Passos Coelho e companhia não foram capazes de explicar como é que se passa de uma expectativa por eles anteriormente subscrita, de 35% de devolução, para zero % em tão pouco tempo. Em segundo lugar porque vivemos tempos conturbados, e porque o comportamento de uma direita cada vez mais parecida com certos “pinochismos” alimenta uma fornalha de ataques e contra-ataques em que tudo serve para fazer de lenha.

É evidente que quanto mais Passos Coelho nos tenta convencer de que a proposta nada tinha a ver com as eleições, menos nós acreditamos nele. Essa descrença é proporcional ao empenho colocado pelo PSD e pelo CDS na defesa da ideia da devolução e da sua correlação com a alegada boa governação de que éramos beneficiários. Como o governo não reconheceu que a sobretaxa afinal não vai ser devolvida por ter governado mal, nem arranjou melhor explicação para o fracasso total das expectativas que irrealisticamente criou, só nos resta acreditar realmente na teoria da fraude.

O mais triste de tudo isto nem sequer é o facto de termos corrido o risco de sermos enganados, mais uma vez, pelo batoteiro político que se revelou em Passos Coelho. Os portugueses, já escaldados desde as promessas nunca cumpridas de 2011, despediram-no com menos 800 mil votos no dia 4 de outubro. Nem o facto de o próprio presidente da República ter conseguido desvalorizar ainda mais a sua já paupérrima credibilidade, ao afirmar que a quase garantida devolução da sobretaxa era, e cito, "uma boa notícia".

O mais triste é mesmo o facto de estarmos a falar da devolução de um roubo como se essa devolução contivesse, caso por absurdo tivesse podido acontecer, algum mérito em si mesma. Realmente, e aí honra seja feita a Passos Coelho e a Cavaco Silva, só se devolve aquilo que se rouba. Pode é o mérito da coisa ser, como foi, igual a zero. O que é mau. É que diz o povo, até entre ladrões tem de haver alguma honra.
Muito boa semana para todos.
 
(Crónica na Rádio F - 23 de Novembro 2015)