quarta-feira, novembro 04, 2015

Ponto de vista

Nos tempos de crispação política a que vimos assistindo, tem-se acentuado a narrativa, por parte de militantes da coligação PSD/CDS, de que é inaceitável que qualquer governo de Portugal seja constituído com base em acordos com quem se manifeste programaticamente contra os tratados internacionais, nomeadamente aqueles que consagram a permanência de Portugal na União Europeia, no Euro e na NATO.
Não me preocupa minimamente, por buçal e estapafúrdia que é, tal narrativa. Nem que uma direita pafiosa e bolorenta ainda não tenha conseguido compreender, mais de 40 anos volvidos sobre o 25 de Abril, que numa democracia madura nenhum voto pode ser excluído do poder representativo ao nível da governação, a não ser pela óbvia ponderação da relação de forças no Parlamento.
Do mesmo modo, não me preocupa a incoerência das posições da direita sobre esta matéria. Bem sei que esquecem que o CDS/PP votou contra a primeira Constituição, logo em 1976, e que isso não o impediu de integrar diversos governos, incluindo com o partido socialista, em 12 dos muitos anos que desde então decorreram. E que não reconhecem que, ao contrário da nossa Constituição, nunca a adesão à União Europeia, ao Euro ou à NATO foram submetidas diretamente à decisão dos Portugueses.
 Com tanta falha de memória não me espanta mesmo nada que a direita tenha desrespeitado profundamente a Constituição que – essa sim – foi um dia sufragada por todos nós. Nem que continue a agitar o papão dos partidos que comem criancinhas ao pequeno-almoço ou que vão afundar um país que já se encontra enterrado até às orelhas numa dívida pública que nem 4 gerações de portugueses a trabalhar em regime de escravatura seriam capazes de pagar nos próximos 100 anos…
 Não me espanta que esta direita atrasada e retrógrada tenha a boca sempre larga para o corte nos salários, o não aumento do salário mínimo, o congelamento das pensões, o esvaziamento dos direitos sociais e outros mecanismos de empobrecimento da classe média, em contraponto ao dinheiro que nunca falta para salvar bancos, sobretudo se estes tiverem tido relações perigosas com políticos corruptos ou com o dinheiro que lubrifica os mais obscuros negócios de privatizações de setores estratégicos da nossa economia…
Por último, não me espanta que esta direita se manifeste histericamente, com o apoio de uma substantiva parte da comunicação social do regime, como se o mundo estivesse para acabar por obra e graça de um imenso asteroide ou qualquer outro cataclismo de galácticas proporções.
O que me espanta realmente é que em Portugal a extrema-direita nunca tenha tido expressão eleitoral. E não me digam que isso se deve ao efeito vacinal de uma ditadura fascista de 48 anos, porque a Grécia passou por uma infelicidade algo parecida à nossa sob o regime dos coronéis, e mesmo assim tem hoje um partido neo-nazi que capitaliza 12% dos votos…
Em Portugal, o centro político colapsou. E não foi por radicalismo da esquerda, muito pelo contrário. Uma esquerda que até aceita apoiar um partido socialista com políticas económicas de direita e posições totalmente opostas em relação à NATO, União Europeia e moeda única!
O que aconteceu foi que, finalmente, percebemos por onde anda a extrema-direita que existe em todos os países da Europa, desde os 25% da França, aos cerca de 30% da Noruega, passando pelos 20% da Áustria, 15% da Hungria, ou 13% da Finlândia, entre outros.

 O facto de não haver representação partidária de extrema-direita nos órgãos de representação política internos e externos não significa que a sua agenda política não esteja a ser colocada em práxis. O PSD e o CDS desempenham cada vez mais essa função. Percebo agora melhor por que razão disse um dia Bertolt Brecht que “não há nada mais parecido a um fascista do que um burguês assustado”… 
Muito bom dia a todos.

(Crónica na rádio F - dia 2 de Novembro 2015)