terça-feira, maio 26, 2015

Ponto de Vista


O nosso hospital voltou a ser notícia pelas piores razões. Depois dos diversos escândalos protagonizados pelos conselhos de administração presididos, respetivamente, por Fernando Girão, Ana Manso e Vasco Lino, eis que foi agora divulgada uma notícia relatando o uso indevido de uma base de dados pertencente à instituição para, através do seu correio eletrónico, divulgar as jornadas distritais de saúde promovidas pelo PSD.

A promiscuidade entre o que é Estado e o que é atividade partidária já não é de agora. Recordo-me, por exemplo, de um destacado dirigente local do PSD ter, durante as últimas eleições legislativas, utilizado uma base de dados da Agência de Desenvolvimento para a Sociedade da Informação e do Conhecimento para enviar e-mails a anunciar a realização de um comício na Guarda, com a presença de Passos Coelho.

O problema deste tipo de disparates reside no facto de tenderem a tornar-se rotina. E Carlos Rodrigues, o novel presidente da ULS, pelos vistos não escapa à regra. Quando chegou à Guarda, deparou-se com algumas situações absolutamente caóticas que transitaram das governações anteriores. O facto de o atual diretor clínico, Gil Barreiros, provir dos cuidados primários, em linguagem corrente, dos centros de saúde, e de já ter integrado a administração anterior e por essa via dado provas de uma total incapacidade para compreender os meandros de alguns delicados dossiers hospitalares sem qualquer relação com os cuidados primários, não ajuda Carlos Rodrigues a lidar com a tarefa hercúlea que tem pela frente.

Como se já não bastassem os problemas relacionados com a falta de médicos, há serviços da ULS que ameaçam implodir. O caso da cirurgia é o mais evidente. Durante anos as diversas administrações acumularam erros relativamente aos planos estratégicos e às escolhas para a direção do serviço. O resultado foi a retirada, pela Ordem dos Médicos, da idoneidade do serviço para formar cirurgiões e a proibição da realização de certo tipo de cirurgias.

Em vez de enfrentar o problema com olhos de ver e escolher para dirigir o serviço, de entre as opções disponíveis, a menos má, a administração anterior a que já pertencia Gil Barreiros, escolheu a pior: mandou vir um cirurgião de fora, mais concretamente do hospital de São João.

O problema é que o processo decorreu com total violação da lei e agravou de forma notória os conflitos já existentes. Se Gil Barreiros tivesse regado o fogo com gasolina e lhe atirasse depois um saco com pólvora não teria obtido melhor efeito. O cirurgião em causa, de seu nome António Ferrão, dedicou-se, logo que chegou do Porto, a ferrar disparates atrás de disparates, encontrando-se por essa razão envolvido em nada menos que quatro processos judiciais, um deles já com proposta de condenação e dois outros com julgamentos agendados para dentro de poucos dias.

Como uma desgraça nunca vem só, num desses processos judiciais António Ferrão arrastou mais oito colegas para o abismo, pelo que iremos assistir, a partir de junho, ao julgamento em simultâneo de nove, repito, nove médicos de um mesmo serviço pela prática de crimes dentro da instituição!

A tragédia de tudo isto é que Gil Barreiros, um dos maiores responsáveis pela situação criada, em vez de ter sido demitido, como sucedeu com Vasco Lino, foi recompensado com a acumulação de cargos e com um aumento visível do seu poder. Compreende-se por isso que só tenha deixado cair António Ferrão depois de a IGAS o ter obrigado a tal...

Mas como o erro é para certa gente uma tentação irresistível, a administração presidida por Carlos Rodrigues prepara-se para, de acordo com as notícias vindas a público, nomear como responsável da cirurgia Augusto Lourenço, o médico que conduziu o serviço à lamentável situação em que se encontra e que, para mais, corre o risco de vir a ser condenado por crime no exercício de funções. Assim, as cenas dos próximos capítulos prometem ser de faca e alguidar. Tudo em nome das birras a que as administrações da ULS já nos habituaram nos últimos anos.
Tenham um muito bom dia!
 
(Crónica na Rádio F - 25 de Maio de 2015)