quarta-feira, maio 06, 2015

Ponto de vista


O presidente da Comissão de Recrutamento e Selecção para a Administração Pública, CRESAP, em entrevista à Lusa confessou recentemente que sentiu "tristeza" face às nomeações políticas para cargos de direcção na área da Segurança Social.
Conforme foi tornado público, a totalidade desses cargos foi atribuída a pessoas da área do PSD e do CDS. João Bilhim, o tal presidente da CRESAP, referiu ainda que sentiu "muito desconforto",  pois nunca pensou que "acontecesse o que aconteceu".
Afirmou também, citando, "Entristeceu-me imenso. Acreditei profundamente que o membro do Governo ia escolher aleatoriamente. Nunca previ que existisse uma preocupação, uma fome tão grande, achava que, enfim... Desconsolou-me. Não gostava que isso tivesse acontecido, sempre achei que o Governo iria escolher em termos técnicos, não iam ligar à ligação política ou partidária".
Na verdade, eu próprio é que nunca pensei ter de vir a ouvir, da boca do presidente da CRESAP, declarações tão patéticas. E foi isso que realmente me entristeceu. Das duas uma, ou João Bilhim é um ingénuo, ou está a gozar com a cara dos portugueses. Ocupando o cargo que ocupa, tinha a obrigação de conhecer um estudo da Universidade de Aveiro, divulgado em Fevereiro de 2014, que avaliou as nomeações políticas de diferentes governos. Foram cerca de 11 000 em 15 anos, para a hierarquia da administração pública. Esse estudo concluiu, de forma que a experiência quotidiana do comum dos mortais não consideraria completamente inesperada, que o critério predominante foi o do cartão partidário. O objectivo deste método mafioso de nomear apenas a gosto é o de controlar as políticas públicas e de pagar ou antecipar o pagamento de favores, de serviços e de fidelidades. O objectivo é perpetuar o poder.
Aquilo que já todos sabemos, com a aparente excepção de João Bilhim e dos militantes mais fanáticos dos partidos, é que nas últimas décadas se assistiu à emergência de lideranças políticas de uma mediocridade notável. Temos instalado em Portugal uma partidocracia das mais abjectas, a que se soma uma autêntica plutocracia. Ambas tornam indestrutível uma complexa teia de influências e sustentam uma cuidada gestão dos aparelhos partidários, de onde são, quase que exclusivamente, recrutados os dirigentes da enorme máquina da administração pública e das instituições e entidades sob tutela do Estado ou que dele dependam de algum modo.
Para agravar o problema, esta teia mafiosa associa-se à intervenção privada, sobretudo nos domínios, e são muitos, em que existem interesses em ligação com o Estado, de que a banca e as obras públicas são apenas dois exemplos. Aliás, os últimos tempos têm sido particularmente estimulantes nesta matéria. O cenário é desde cedo preparado e alimentado através de uma das formas mais eficazes de progressão social e profissional existente em Portugal: a pertença a uma juventude partidária, sobretudo quando se fala dos partidos do chamado arco do poder. Basta olhar para quem lidera hoje os diferentes partidos e tirar as inevitáveis conclusões…
Quando olho para a rapaziada sem currículo credível, académico ou profissional, que por aí enxameia os gabinetes ministeriais, não é difícil constatar, como característica comum, a pertença prévia a "uma" jota onde desempenharam cargos que os catapultaram depois para assessores ou deputados. Deram assim início a uma bela e promissora carreira encavalitada na despudorada utilização da administração pública, central, local e empresarial para a distribuição dos pretendidos jobs for the boys and girls. A sociedade portuguesa está tão cheia de exemplos destes como um cão sarnento infestado de pulgas e carraças. Desconhecer ou pretender ignorar toda esta rede de interesses, todo este cancro que corrói o nosso tecido social e a nossa democracia, é o mesmo que desempenhar o papel de pulga em vez do papel de cão. Ou, se acharem que é insignificante, o papel da carraça, que pelo menos sempre é maior.

Tenham um muito bom dia.   

(Crónica na Rádio F – 4 de Maio de 2015)