quinta-feira, abril 23, 2015

Ponto de vista

O edifício do antigo Hotel Turismo da Guarda volta a ser notícia. Depois de falhado o projeto megalómano de transformar o Hotel Turismo em escola de hotelaria, eis que se anuncia a venda em haste pública do imóvel por 1,7 milhões de euros, pouco mais de metade dos 3,5 milhões que custou ao Estado. Ou seja, os contribuintes portugueses vão ter de pagar ainda cerca de 1,8 milhões de euros. Eu explico.
Depois de se afirmar como uma unidade hoteleira de referência na região e um ex-libris da cidade e do concelho, ao longo dos anos assistiu-se à degradação do Hotel Turismo por vicissitudes várias. Desde logo pela concessão a várias empresas que apenas tinham como objetivo tirar proveito da história e pergaminhos da unidade. Mas também porque para alguns quanto pior melhor, para dar espaço ao surgimento de unidades concorrentes.
Foi em 2010 que a Câmara Municipal da Guarda assumiu a gestão e exploração do Hotel Turismo, para, ainda nesse mesmo ano, a pretexto do estado de degradação em que se encontrava, o encerrar e vender ao Instituto de Turismo de Portugal pela quantia de 3,5 milhões de euros, com a alegada finalidade de ali ser instalada uma escola de hotelaria e turismo. Dizia-se então que a escola seria especializada em saúde e bem-estar dando resposta às necessidades formativas do sector turístico da região, contribuindo para a criação de emprego qualificado e para a melhoria dos serviços, em linha com os objetivos do Plano Estratégico Nacional do Turismo. Com a abertura anunciada para 2016, a nova unidade representaria um investimento de cerca de 12 milhões de euros. A escola projetada para 200 a 250 alunos estenderia a sua ação igualmente ao domínio do Turismo Cultural e Paisagístico, contando com um hotel e um restaurante de aplicação, um auditório e um refeitório para alunos. Nada disto aconteceu! A unidade fechou portas em novembro de 2010, para nunca mais abrir. Pelo meio, Joaquim Valente, com a ajuda do seu amigo José Sócrates e muita propaganda à mistura, abateu 3,5 milhões e meio de euros à dívida da autarquia…
O atual presidente da câmara da Guarda, Álvaro Amaro, anuncia agora a venda do imóvel, em hasta pública, pela Direção-Geral do Tesouro e Finanças. Definiu-o como "uma pérola da hotelaria nacional". A venda foi por ele considerada como um passo "muito importante" para o futuro daquele edifício e como um meio para “devolver o Hotel de Turismo à Guarda, à região e ao país".  Referiu ainda que o processo chegou a um ponto em que "é o mercado que vai ditar as suas regras". "E espero, [que o mercado] perceba que estamos perante um hotel que é conhecido do país inteiro e é uma pérola da Guarda. E também espero que as pérolas tenham o seu valor e que o mercado perceba isso e que amanhã possamos ter de volta o Hotel [de Turismo] à Guarda, à região e ao país", declarou Álvaro Amaro.
Convém não esquecer que, aquando do processo de venda do Hotel às prestações, por Joaquim Valente, pelos tais 3,5 milhões de euros, Álvaro Amaro não se coibiu de pedir ao primeiro-ministro, Passos Coelho, para que não pagasse a última prestação devida à câmara da Guarda. Ou seja, consoante o interesse do momento, assim se fala umas vezes no não pagamento da venda, e noutras já se refere à pérola da hotelaria…
O que Álvaro Amaro não explicou é que, por muitos erros que o seu antecessor tenha cometido, a venda de 2010 ao Instituto do Turismo de Portugal representou uma efetiva transferência de dívida local para a Administração Central. Pode criticar-se esse tipo de engenharia financeira à escala nacional, mas é hoje, graças a ela, que a gestão de Álvaro Amaro beneficia de um programa PAEL em condições bem menos duras e penalizadoras para os habitantes da Guarda. E isso Álvaro Amaro já não disse. Também não explicou quem é que vai encaixar os prejuízos da diferença entre os 3,5 milhões e meio da venda de 2010 e os 1,7 milhões da venda de 2015. O contribuinte, claro!

Em política há coisas muito feias. Beneficiar do que outros fizeram, e que nós tentámos um dia impedir, é uma delas. 
Tenham um muito bom dia!

(Crónica na rádio F - 20 de Abril de 2015)