terça-feira, fevereiro 24, 2015

Ponto de Vista

O nome de Sócrates e as constantes referências públicas aos contornos da sua estadia em Évora trazem constantemente à superfície o nome de um juiz que acabou por se tornar famoso, o juiz Carlos Alexandre.
Curiosamente, Carlos Alexandre foi o juiz que deu início ao processo que ficou conhecido como «processo Labirinto». Recordo aqui aos mais esquecidos que o processo Labirinto envolve altas figuras do aparelho de estado, algumas das quais se encontram já detidas. O processo recebeu o seu nome exatamente a partir do labirinto de influências que pretende desmontar. Essas influências arrastaram para a praça pública a Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública, mais conhecida por CRESAP. Trata-se de uma entidade criada pelo atual governo com o pretenso objetivo de proceder a uma pré-seleção de candidatos a altos cargos da administração pública, com base apenas na competência e no mérito. Em linguagem popular, poderia dizer-se que a CRESAP foi criada alegadamente para impedir que os bandidos chegassem ao poder.
Ora, estamos em Portugal. Não era difícil prever no que isto tudo ia dar. A infinita criatividade dos políticos lusitanos não tremeu perante o desafio que lhes foi colocado. Por essa razão, têm sido produzidos admiráveis exemplos de malabarísticas legitimações de nomeações supostamente filtradas pela CRESAP. Se existir um problema e se esse problema afetar os interesses dos políticos, eles conseguirão sempre ultrapassá-lo.
Não me refiro aqui apenas ao caso de Maria Antónia Enes, a senhora que era secretária-geral do ministério da Justiça e simultaneamente vogal não permanente da CRESAP, e que se encontra agora detida no âmbito do tal processo Labirinto do juiz Carlos Alexandre.
Nem me vou limitar ao mais recente escândalo das nomeações para as direções dos Centros Distritais da Segurança Social, cujas vagas foram ocupadas no âmbito de um concurso da CRESAP por 14 dirigentes que são, sem qualquer exceção, filiados no PSD ou no CDS.
Vou cingir-me a um escândalo bem mais caseiro, pela importância que pode vir a ter para os cidadãos do nosso distrito. E que também envolve a CRESAP. Bem como outras altas instituições do Estado. A história, revelada há dias num jornal nacional, conta-se em poucas palavras.
Um determinado gestor foi em 2010 e em 2011 condenado por crimes de abuso de confiança fiscal. Em 2012 foi nomeado presidente da ULS da Guarda. A CRESAP não detetou o registo criminal do gestor, vá-se lá saber porquê. Uns tempos depois esse gestor, conhecida a enorme dificuldade em encontrar no mercado local advogados disponíveis, celebrou um contrato de avença entre a ULS da Guarda e um advogado de Lisboa. Soube-se agora que a esposa do advogado em causa é, também ela, tal como a outra que está presa à guarda do processo Labirinto, uma vogal da CRESAP. E que foi adjunta do próprio secretário de estado da Saúde. Ascendeu há algum tempo ao cargo de secretária-geral do ministério da Economia e é, além disso, membro da Comissão de Prevenção da Corrupção. Que por sua vez é presidida pelo presidente do Tribunal de Contas, que é a entidade a quem compete fiscalizar e garantir o bom uso de dinheiros públicos. Bonito!
A cerejinha em cima do bolo é que o advogado em causa tem mais contratos de avença com outros hospitais públicos, tendo chegado a auferir a módica quantia de mais de 7 mil euros por mês, sem qualquer concurso público! Claro que estamos a falar de gente séria e de instituições que nos merecem incondicionalmente toda a credibilidade. E claro que se alguma coisa aconteceu que não se devesse ter passado, não foi certamente por mal.

A CRESAP aparece no meio disto tudo como aquele colégio eleitoral de Hong Kong que tem por função selecionar 3 candidatos à presidência do território. Todos vindos da China. Ao menos, aqui em Portugal os candidatos nunca poderão ser acusados de serem como os candidatos fantoches de Hong Kong. Pelas simples razão de não terem os olhos em bico. 
Muito bom dia!

(Crónica na Rádio F - 23 de Fevereiro de 2015)