sexta-feira, maio 02, 2014

Ponto de vista

A “conversa” de que o país está melhor mas as pessoas estão pior não é nova no ideário neoliberal, nem nasceu em Portugal.
Quando Alan Greenspan - acerca das maravilhas da economia - testemunhou perante o Congresso americano em 1997, afirmou que uma das bases para o sucesso económico era o que chamou de “maior insegurança dos trabalhadores”. Se os trabalhadores estão mais inseguros isso é muito “saudável” para sociedade, porque não questionarão os seus salários, não entrarão em greve, não pedirão repartição de lucros, limitando-se a servir os seus patrões de bom grado e de forma passiva.
A ideia é dividir a sociedade em dois grupos. Um grupo é conhecido como a “plutonomia”, um termo usado pelo Citibank para aconselhar os seus investidores na aplicação de recursos. É constituído pelo sector top da riqueza, concentrado principalmente nos Estados Unidos e numa mão cheia de países. O outro grupo, o restante da população americana e mundial, é o que os ricos chamam de “precariado”, as pessoas que vivem algures na corda bamba. São os escravos dos tempos modernos. Somos nós.
O uso da mão-de-obra barata e fragilizada é uma prática tão antiga quanto a iniciativa privada, tendo os sindicatos surgido em resposta a ela.
A propalada “reforma laboral” consiste em tornar o trabalho mais “flexível”, isto é, em fazer com que seja mais fácil contratar e despedir. Não passa, no entanto, de uma forma para garantir a maximização de lucros e de controlo. “Flexibilidade”, palavra originalmente associada a coisas boas, aparece assim casada com “maior insegurança dos trabalhadores”.
Quando os donos e gestores das instituições financeiras e grandes empresas, apoiados nos políticos seus mandatários, afirmam que um país está melhor,  o que eles querem efectivamente dizer é que “eles” estão melhor. Eles e os mercados. O resto da população está sempre pior. Para eles, os países são eles próprios e a sua riqueza. Nada mais conta. O resto da população é apenas um “precariado” que os deve servir a troco de salários que, sendo tão baixos quanto possível, não causem desespero suficiente para alimentar revoluções que deitem tudo a perder.
Claro que para estes patrões, financeiros e políticos, a ECONOMIA está FORA das pessoas. Não concebem a ideia de que o objetivo da economia é o da melhoria das condições de existência de uma sociedade, de toda a sociedade, e não apenas da plutonomia que detém o verdadeiro poder. A sua religião assenta na ideia sagrada de que as pessoas devem servir a economia, em vez de ser a economia a servir as pessoas.
É este o novo modelo de sociedade que nos querem impor, “custe o que custar”, e, se possível, em consenso com o Partido Socialista. O tal consenso que Cavaco voltou a referir no discurso do 25 de Abril.
Quando Cavaco fala na necessidade de sacrifícios para bem da economia, para bem do país, o que quer efectivamente dizer é que 90% da população deve aceitar sacrifícios nos seus rendimentos e bem-estar para que os 10% restantes, que já controlam financeira, económica e politicamente o país, possam viver melhor e acumular ainda mais riqueza.
Quando o governo fala em reformas laborais e outras como a da privatização da Saúde, da Educação e da Proteção Social, o que quer dizer é que quanto mais precário for o emprego e maior a insegurança do trabalhador, mais barata e dócil será a mão-de-obra e mais fácil será a maximização do lucro. E quanto mais submissos e conformados forem os cidadãos, maior o controlo dos poderosos sobre a sociedade.
Sinceramente, já não há pachorra. Que eles tentem, até percebo. Mas que acreditem que nos convencem a todos, isso é outra coisa.
Como disse um dia Salgueiro Maia, com clarividência, antevendo já o assalto ao património do Estado e o lamentável estado a que chegámos, “Não se preocupem com o local onde sepultar o meu corpo. Preocupem-se é com aqueles que querem sepultar o que ajudei a construir.

Assim falou quem nunca foi rico. 
Tenham um bom dia!

(crónica na rádio F - 27 de Abril de 2014)