sexta-feira, março 28, 2014

Ponto de vista

Num programa televisivo, o actual presidente da câmara Municipal da Guarda, Álvaro Amaro, defendeu que a fixação de pessoas nos concelhos do interior do País deve assentar em dois eixos: captação de investimento privado através de mais benesses aos empresários, por um lado, e utilização dos numerus clausus para fixação de jovens estudantes e dinamização da economia local, por outro.
Ora, estas “soluções” de Álvaro Amaro para o problema do nosso despovoamento não passam de fórmulas gastas, que fracassaram em toda a linha. Basta olhar para o caso de Gouveia, onde Álvaro Amaro foi presidente durante 12 anos, para percebermos que estamos apenas perante declarações de circunstância que não conduzem a lado nenhum.
Álvaro Amaro tem a obrigação de saber que nunca vai obter aquilo que defende. Concorde-se ou não com a “solução” proposta, o problema é outro. Qualquer benesse oferecida a um empresário do interior é uma benesse a menos para um empresário do litoral. E qualquer vaga a mais no ensino superior do interior representa uma vaga a menos no ensino do litoral. Assim mesmo.
O problema do interior tem tudo a ver com o peso político relativo, ou antes com a falta dele. Existindo concelhos do litoral com mais eleitores do que todo o distrito da Guarda, pode bem dizer-se que estamos tramados.
Tudo isto é agravado pela crise. Casa onde não há pão… Recordemos que o próprio ministro da educação reconheceu que dos 159 mil alunos no ensino secundário, apenas 100 mil estavam em «condições» de se candidatar ao ensino superior, o que reduz, e muito, o pão na mesa. E desses 100 mil, apenas 41 mil se candidataram efetivamente, ficando pelo caminho, pelas mais diversas razões, os restantes 59 mil.
Mesmo que por mera hipótese se desviassem administrativamente os alunos do litoral para o interior, as condições financeiras da maioria das famílias portuguesas não lhes permitiria mantê-los por cá.
As causas para tanto despovoamento e acréscimo de crise no interior são múltiplas. Muitas delas, podem e devem ser assacadas ao xico-espertismo que infecta o empresário português, que apenas espera de um Estado fraco, as condições para explorar mão-de-obra barata, a par de subsídios e de equipamentos adaptados recorrendo ao dinheiro dos contribuintes.
Agora que o Estado está à míngua, a coisa agrava-se. Pode até a mão-de-obra escorregar para o preço da China, o problema é que o tempo dos subsídios e equipamentos de chave na mão já lá vai.
No meio de tudo isto Álvaro Amaro parece esquecer-se de que é presidente da Comissão Política Nacional dos Autarcas Social Democratas e que o seu partido, o PSD, faz parte do governo de Portugal. E que foi esse partido o grande responsável por hoje carregarmos a cruz das portagens, mecanismo que tem feito mais pelo cancro que corrói a estrutura económica e social do interior do que pimenta da Índia em focinho de cão.
Ironia do destino. No mesmo dia em que Álvaro Amaro apresentava estas ideias brilhantes, um jornal diário publicava um estudo sobre a desproporcionada dificuldade no acesso a cuidados de saúde no nordeste do país. Nessa zona, como também por cá, uma ida ao médico pode levar metade da paupérrima reforma que os cidadãos recebem. E disso, Álvaro Amaro não falou. É que isto é que é o verdadeiro despovoamento. E só há uma maneira de o evitar. Prevenir, abandonando a política de fechar tudo o que é Estado no interior, em vez de querer dar prebendas a empresários que se mudarão para Marrocos à primeira oportunidade.
A mim, o que me espanta, é que Álvaro Amaro anda por cá há tantos anos que deveria saber escolher aquilo que diz. Gandhi disse um dia que “palavra e ação juntas não andam bem”, a propósito da ideia de que a natureza trabalha continuamente, mas em silêncio. É por estas e por outras que, para Álvaro Amaro, certos momentos deveriam ser mesmo de ouro. Especialmente em frente a uma câmara de televisão.

Tenham um bom dia.

(Crónica na rádio F dia 24 de Março de 2014)