quarta-feira, março 12, 2014

Ponto de vista

A fortuna de Belmiro de Azevedo cresceu, só durante o último ano, qualquer coisa como 17%. Em contrapartida os salários e direitos laborais reduziram significativamente. Segundo um recente estudo, uma em cada 10 famílias portuguesas vive em pobreza real: não tem forma de pagar a prestação ou a renda de casa, o empréstimo automóvel, as contas da água e da luz, os tratamentos médicos essenciais ou os estudos dos filhos.
Ora, foi num cenário destes que Belmiro de Azevedo afirmou que os salários em Portugal só podem aumentar quando os trabalhadores portugueses tiverem a mesma produtividade dos alemães ou dos ingleses. A forma e o contexto em que isto foi dito pretendeu apresentar os trabalhadores portugueses como os grandes responsáveis por esta “baixa produtividade”.
Claro que Belmiro não disse que grande parte da maior produtividade das empresas alemãs resulta de uma melhor organização e aposta na inovação tecnológica, coisa que rareia entre os empresários nacionais. Ou que na Alemanha a burocracia e a corrupção são muito inferiores à nossa. Ou que a justiça é muito mais célere a dirimir questões entre empresas. Ou que os custos de financiamento das empresas, vulgarmente conhecidos como “juros”, são muito inferiores. Ou que o mercado interno alemão tem uma dimensão muito superior, permitindo que os empresários disponham de condições e de tempo para melhorarem e promoverem o bom funcionamento das suas empresas. Ou que os produtos alemães têm incorporado, em média, um valor acrescentado muito superior ao dos produtos portugueses.
Assim, os empresários alemães não têm tanta necessidade de transferir os custos do risco e da mudança para os trabalhadores, descontando-o no seu salário. Nem de assentar a ideia de competitividade na matriz de salários baixos, mentalidade negreira que Belmiro herdou alegremente de Salazar. E é tudo isto que faz verdadeiramente a diferença, como se demonstra pelos elevados índices de produtividade desses trabalhadores portugueses, quando trabalham na Alemanha.
É que na Alemanha produzem-se BMW, AUDI, BOSCH ou AEG, o que não é exatamente o mesmo que vender latas de atum, camisolas de algodão, azeite ou vinho. De facto, um BMW de 40 mil euros é fabricado num terço ou num quarto das horas necessárias para produzir 20 mil latas de atum de 2 euros. As horas de trabalho necessárias para produzir 200 garrafas de vinho de 5 euros ou 400 garrafas de azeite de 2,5 euros são em Portugal o triplo ou o quádruplo das necessárias para produzir na Alemanha um frigorífico BOSCH de 1000 euros. O que de certeza absoluta não é verdade é que uma empregada de caixa de supermercado na Alemanha registe três vezes mais artigos numa hora do que uma colega sua que em Portugal trabalhe para o Continente de Belmiro. E Belmiro paga-lhe um terço, menos 1000 euros do que os 1500 euros do salário mínimo aprovado para vigorar na Alemanha a partir de 2015, o que explica em parte como conseguiu enriquecer e aumentar a sua fortuna em tempo de crise.
Não é por acaso que na Alemanha têm serviços públicos que os portugueses nunca tiveram, nem é por acaso que os pais alemães não têm que gastar um euro com a Educação dos filhos até aos 18 anos, recebendo um abono de família de valor superior ao nosso salário mínimo por cada um deles. O salário médio na Alemanha ultrapassa os 3 mil euros e os impostos e as contribuições para a Segurança Social que incidem sobre essa base salarial chegam e sobram para pagar tudo.
Nós, em Portugal, temos um sistema político que prefere engordar e venerar Belmiros que choram atualizações salariais de 1 euro por dia e que aplaudem de pé qualquer redução do número de dias de descanso no segundo país que anualmente trabalha mais horas em toda a União Europeia . Estes Belmiros, que nem sequer pagam impostos sobre os seus lucros em Portugal, não estão cá para contribuir para a sociedade que os enriquece. Estão cá só para enriquecer. E para mandar saudações de apoio aos Governos que os mantêm a salvo de qualquer crise, garantindo-lhes direitos especiais de enriquecimento, como foi o caso de Jardim Gonçalves, ex-presidente do Banco Comercial Português, que viu prescreverem as várias condenações decretadas pelo Banco de Portugal. Ou muitos outros casos, de escandaloso privilégio, de que eu poderia aqui dar testemunho.
Belmiro de Azevedo, a terceira maior fortuna de Portugal, disse o que disse porque que acha que essa é a melhor forma de agradecer os tempos de bonança que o Governo lhe tem concedido. Conseguiu assim descer ao nível de um qualquer empresário de vão de escada, que todos os anos remete ao abade da paróquia uma quantia para a festa da senhora do Coito.
Ou, bem vistas as coisas, se calhar mostrou apenas o nível que sempre teve. É que, da mesma forma que uma licenciatura não dá, só por si, uma refinada educação, o dinheiro não dá nível. Sobretudo num país em que os trabalhadores não têm trabalho, a classe média deixou de ser média e a classe alta deixou de ter classe.
Tenham um bom dia e já agora uma boa semana a salvo de merceeiros trapaceiros.    

(Crónica na rádio F - 10 de Março de 2014)