sexta-feira, dezembro 20, 2013

Ponto de vista

Na conta corrente de Vergílio Ferreira lembro-me do seu pensamento sobre a ordem. Dizia o autor: «Diz NÃO à ordem das ruas, se ela é só a ordem do terror. Porque ela tem de nascer de ti, da paz da tua consciência, e não há ordem mais perfeita do que a ordem dos cemitérios.»
Ora, é precisamente a partir do mote desta ordem que gostaríamos que fosse perfeita, que vou falar da câmara da Guarda.
Não falarei da inércia e da inépcia em muitos dos serviços camarários. Nem das contratações feitas à medida de boys e girls do partido. Ou da caça às bruxas que já grassa por gabinetes, corredores e reposteiros. Nem tão pouco da misteriosa verba paga para que houvesse a tão desejada e ansiada iluminação natalícia. Falarei antes de um acordo.
Um acordo que foi anunciado com pompa e circunstância. Um acordo entre o presidente da câmara da Covilhã e o presidente da câmara da Guarda. Celebrado ao centro, esse acordo visa a distribuição de cadeiras da Comunidade Intermunicipal das Beiras e Serra da Estrela. Com foguetório que baste, à mistura, nos jornais e não só.
Não me vou perder em considerações sobre a forma como foram distribuídas as cadeiras e, muito menos, sobre a legitimidade da decisão tomada. Estamos fartinhos de saber que, quando se trata de dinheiros públicos, os acordos fazem-se independentemente dos aventais das seitas.
O que importa aqui perceber é o que ganhou ou perdeu o concelho da Guarda. E, eventualmente, porque não dizê-lo também, o da Covilhã?
Recordemos os discursos inflamados das últimas eleições autárquicas, que propalavam a necessidade de a Guarda «fazer ouvir a sua voz e liderar o distrito e a região». Assim mesmo, com denodo e valentia.
Convém também recordar que esta comunidade intermunicipal de representantes resulta da tristemente famosa reforma administrativa de um tal de Miguel Relvas.
Impõe-se agora questionar: para que serve afinal essa comunidade?
De facto, a nova reforma administrativa dá a sua importância às comunidades intermunicipais. Será a partir destas unidades territoriais que os municípios poderão aceder aos tão desejados fundos comunitários. O novo quadro comunitário, de 2014 a 2020, trará milhões de euros para gáudio dos presidentes de certas câmaras, sobretudo aquelas que agonizam em dívidas, como é o caso das duas a que me referi.
A outra face desta moeda é a diminuição da autonomia própria de cada município, com força de lei. O que cada eleitor quiser para a sua terra pode ser pura e simplesmente obliterado pelo que querem os eleitores do lado, se estes conseguirem ser politicamente mais fortes. É afinal uma forma indireta de alguém, noutro concelho, poder vir a decidir por mim.
Estas comissões intermunicipais estão a ser criadas como “cogumelos” e mais não são do que fotocópias, a uma escala menor, das Comissões de Coordenação Regional, a quem também retiram poderes. Encontram o seu espaço nos extintos governos civis, mas ganham um novo e perigoso domínio à custa do aliciante poder do dinheiro.
Às autarquias restará o papel de figurantes de cerimónias do faz de conta, onde se colocam coleiras e bandeirinhas à lapela. Pouco mais lhes restará do que abrir o expediente e colar envelopes. Para isso o voto será necessário. Para tudo o resto, as eleições serão cada vez mais dispensáveis. Passará a vigorar, como aconteceu agora por acordo, a nomeação inter pares daqueles que vão dividir o dinheiro. Com pouco ou quase nenhum controle do eleitor de cada município, por diluição de tudo isto num nebuloso universo que foge ao seu controle. E à sua compreensão.
Esta solução, escorada em acordos entre autarquias, está talhada à medida dos aparelhos partidários e conventuais. Por saber está ainda o tamanho destes órgãos e quanto nos vão custar. Só sabemos quem paga a factura. 
Somos nós, pois claro. 
E mais não digo. 
Tenham uma boa semana.

(crónica na Rádio F - 16/12/2013)