domingo, janeiro 13, 2013

Crónica no Jornal "O Interior"


Vítimas, parolos, cabrestos e fascistas

Decorrida mais uma época festiva, sinto-me, vá-se lá saber porquê, algo melancólico.
Daí até me pôr a meditar, foi um passo.
E, olhem só o que descobri!
Os leitores já pensaram que vivemos afinal num estado fascista?
Sim, daqueles à moda antiga, como no tempo de Salazar, Franco ou Mussolini?
Só que agora, adocicado com uma espécie de “canderel” da política, ou algo parecido, que vai dando pelo nome de “eleições”?
Não acreditam? Então eu explico.
Um conjunto muito significativo de empresas mudou a sua sede para a Holanda, Luxemburgo, San Marino ou outros países, para poupar milhões de euros em impostos. Como recompensa, passaram a ter, por lá, acesso a crédito com juros muito mais baixos.
Falo da Cimpor e da Semapa (produção de cimentos), da Cofina (proprietária, entre outros, do “Correio da Manhã”, do diário desportivo “Record”, do “Jornal de Negócios”, dos jornais gratuitos “Destak” e “Metro”, da revista de informação “Sábado”, bem como de outros títulos, entre os quais a “TV Guia”, “Flash!”, “GQ” e “Automotor”), da Inapa (distribuição de papel) da Novabase e da ParaRede (informática), da Soares da Costa, da Altri (produção papeleira e energético) do Banco Espírito Santo, do Banco Português de Investimento, do Banif, da Brisa, da EDP, da Galp, da Jerónimo Martins, da Mota-Engil, da Portucel, da Portugal Telecom, de todo o grupo Sonae, da ZON, da Media Capital (empresa de comunicação social que detém a “TVI”, “TVI24”, “TVI Internacional”, “TVI Ficção” e várias rádios, como sejam a “Rádio Comercial”, “Star FM”, “Cidade FM”, “Best Rock FM”, “Vodafone FM”, “Mix FM”, bem como outros títulos da imprensa escrita, a saber, a “Lux”, “Lux Woman” e “Maxmen”; e ainda operadoras de internet ou aparentadas, como a “Internet IOL”, “Portugal Diário”, “Agência Financeira” e “Mais Futebol”).
Ufa!!! Acabei…..
E por aqui me fico…
Perceberam? Tudo empresas ou grupos empresariais caracterizados por aquilo que vulgarmente apelidamos de peso político. Isto é, gente com acesso direto ao poder. A todo o poder, seja lá o que isso for. Gente que não só controla o nosso dinheiro e a informação a que temos acesso, como controla também uma fatia significativa do emprego em Portugal. Empregos esses que muitas vezes passam a ser dos políticos, assim que abandonam os cargos para os quais foram eleitos…
Curiosamente (ou não…), foi aprovado pela Assembleia da República, sem votos contra de nenhum deputado (da direita à esquerda!), um conjunto de normas fiscais que estabelecem que, por uma divida de IRS, IVA ou Imposto de Selo retido e não entregue, de valor igual ou superior a 7.501,00€, o cidadão passa a ser acusável de um crime de lesa-majestade, punível com pena de prisão!
Conclusão: não se paga 7.501,00 € e é-se acusado de ter praticado um crime contra o Estado. Não se paga milhões e é-se recebido pelo presidente da República, primeiro-ministro, presidente da Assembleia da República, etc., com beijos e abraços e direito a coleira no dia da raça. Como prémio, passa até a ser-se considerado um mecenas! Um comendador!!! E quiçá um «senador»!!! E, já agora, um “democrata”.
Este é o velhinho Estado das corporações, reconstruido à custa de várias “cirurgias plásticas” realizadas nos últimos 30 anos. Representa o domínio encapotado e hipócrita do económico sobre a política. Seja qual for o resultado das eleições, a política há-de ser sempre a mesma, conformada ao desejo de quem verdadeiramente manda no país e na Europa.
Ora, o simulacro de eleições é a pedra de toque dos fascismos da história. Sim, porque os fascismos procuraram sempre uma qualquer forma de legitimação. Nem que seja à custa de paródias pseudodemocráticas, como aquela em que infelizmente já vivemos.
No meio disto tudo, há dois grupos de cidadãos.
Um deles, não se tendo ainda apercebido de todo este circo, vive recusando a ideia de tal realidade e apoiando escatologicamente os novos messias da economia. É gente que se resigna. Carregam, conformados, o cabresto. Ainda por cima, dão à resignação o lindo nome de contentamento. São aquilo a que chamo os parolos da democracia. Ou, melhor dito, da democratura.
No outro grupo há gente que pertence a dois mundos em luta mortal. Ambos sabem muito bem do que se trata. Uns são os tais fascistas, gente fina e bem-falante, que tem sempre razão e nunca se engana. Os outros, uma certa minoria esclarecida e inconformada, são as vítimas, aqueles que têm total consciência da perversidade daquilo que a que estão submetidos. Ao contrário dos parolos, carregam o cabresto, mas pelo menos sempre vão mandando uns coices. Com honra. Porque a honra, para eles, é afinal a poesia do dever. Acham simplesmente que um homem desonrado é algo pior do que um homem morto.
Dito isto, o leitor a que grupo acha que pertence?

(Publicado no jornal "O Interior" em 9 de janeiro 2013)