quinta-feira, maio 27, 2010

Crime disse ela

Mais de três semanas depois de o deputado socialista Ricardo Rodrigues se ter apropriado ( em linguagem popular, apossado, usurpado, apoderado e outros sinónimos lights) de dois gravadores durante uma entrevista à revista Sábado, os jornalistas continuam a desconhecer o paradeiro dos equipamentos, que contêm diverso material de trabalho.
Neles estão gravadas, por exemplo, entrevistas a políticos do maior partido da oposição e outro material considerado pela jornalista como bastante delicado.
Os gravadores foram, segundo dizem os conquistadores, apensos a uma providência cautelar interposta por Ricardo Rodrigues a 3 de Maio, mas a revista não recebeu qualquer notificação e publicou a entrevista na edição do passado dia 6, uma vez que a mesma tinha também sido registada em vídeo.
Paulo Dias, advogado do socialista, foi informado pelo Tribunal Cível de Lisboa, precisamente no dia 6, de que a providência (e, supõe-se, os gravadores) seria remetida para as varas cíveis, mas ignora qual delas e, perdido o interesse da acção, não fez mais qualquer diligência.
"Resta aguardar para saber qual o destino que as varas cíveis vão dar aos gravadores", afirma.
O jornal o PÚBLICO contactou a secretaria-geral das varas cíveis de Lisboa para saber a identificação da vara, mas o pedido de informação foi recusado.
Refira-se que a inutilidade superveniente da medida cautelar ainda não foi decretada, apenas constatada publicamente, uma vez que a entrevista foi, de facto, publicada.
Um magistrado contactado pelo jornal o  PÚBLICO afirmou que os equipamentos poderão vir a ser arquivados juntamente com o processo, existindo, porém, a possibilidade de a sua proprietária requerer o material.
Por outro lado, o juiz poderá, no despacho liminar, determinar que a junção dos gravadores é desnecessária, ordenando a sua a restituição à jornalista.
Contudo, resta ainda apurar se a acção de Ricardo Rodrigues, ao apoderar-se (conquistar, usurpar, apossar) dos dois objectos, é ou não lícita.
Para alguns juristas, o socialista cometeu uma ilegalidade, pelo que os gravadores não poderão ser valorados como meio de prova.
Não existindo uma disposição específica sobre estas situações no Código Civil, explica, é possível recorrer à Constituição, que define que "são nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coacção, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações".
"Sabendo-se que os gravadores contêm factos susceptíveis de integrar sigilo profissional, admitir-se esta prova nos termos em que a mesma foi junta no caso concreto seria "deixar entrar pela janela aquilo que a lei não deixa entrar pela porta"", argumenta.
De qualquer forma, juristas há que acreditam que a providência cautelar interposta por Rodrigues não seria deferida, caso a Sábado viesse a ser notificada em tempo útil. Isto porque não cumpre os requisitos exigidos pela medida, sobretudo o perigo de prejuízo grave e irreparável ou dificilmente irreparável: "As declarações em causa também foram captadas em vídeo e já foram publicadas", nota, "pelo que já não há direito a acautelar". "Quando muito", ressalva, "poderão existir responsabilidades a apurar, mas isso não se faz em sede cautelar, tendo de ser intentada uma acção principal para o efeito."
Na passada semana, os jornalistas da Sábado, foram ouvidos no Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) de Lisboa, no âmbito do processo-crime apresentado pela Sábado contra o deputado. Para fundamentar as queixas por furto, atentado à liberdade de imprensa e à liberdade de informação, entregaram uma cópia em vídeo da entrevista e fotogramas do momento em que Rodrigues colocou discretamente os gravadores no bolso das calças.
Para além de todo este abuso de poder, atentado à liberdade de informação, que contraria o que alguns têm dito sobre a liberdade de imprensa que existe em Portugal, outra dúvida persiste.
Terá ou não havido sigilo profissional violado?
Os jornalistas em causa só deram pela falta dos gravadores depois de Rodrigues ter abandonado a biblioteca do Parlamento, onde decorreu a entrevista.
Ainda tentaram perseguir o deputado, mas já não o encontraram.
Porém, já fora da Assembleia, deu-se o reencontro.
"Um dos jornalistas disse ao deputado usurpador que tinha duas coisas que lhes pertenciam, mas ele respondeu que os gravadores estavam com um fiel depositário e que lhes seria dado o tratamento adequado", recorda.
Após a breve troca de palavras, Rodrigues voltou a entrar no Parlamento.
O vice-presidente da bancada do PS procurou proteger-se de vir a ser acusado de violação do segredo profissional: ainda no dia da entrevista (30 de Abril, sexta-feira), tentou deixá-los numa esquadra da PSP e na Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mas deparou-se com uma dupla recusa.
Só na segunda-feira, 3 de Maio, os anexou à providência cautelar, pelo que não está ainda excluída a hipótese de vir a ser acusado de violação do sigilo profissional. Porém, apesar de os jornalistas já terem afirmado que os gravadores contêm diversas entrevistas, esta acusação será difícil de sustentar em tribunal. Para tal, Rodrigues teria de admitir que ouviu os registos áudio.
Pergunta-se: será que vamos ter uma limpeza do conteúdo dos gravadores? Será que a Procuradoria Geral da República, o «amido» de Porto de Ovelha e o «supremo» Noronha vão considerar as escutas ilegais e...mandar destruir o ......material.
Coitados!!!