quinta-feira, abril 15, 2010

A igreja e o Estado em acordos negociais

A Estradas de Portugal - EP, SA pagou ao Patriarcado de Lisboa uma indemnização de mais de um milhão de euros (€1 116 600) pela expropriação de uma faixa de terreno na Buraca, com mil e duzentos metros quadrados. Ou seja, por um terreno que tem tamanho igual ao de uma piscina olímpica.
Um valor que excede em muito o preço do metro quadrado na Avenida da Liberdade (3 mil euros) ou mesmo nos parisienses Champs Elysées (sete mil euros).
Nada se compara com o valor atingido pela propriedade do Instituto de Formação e Apostolado, a Quinta do Bom Pastor da Buraca, que estava no caminho traçado da IC17-CRIL (Circular Regional Interior de Lisboa), para o sublanço Buraca/Pontinha.
A Estradas de Portugal estava a expropriar terrenos para o lançamento da obra e a declaração de utilidade pública do terreno (a parcela 1.01), com carácter de urgência, já tinha sido publicada em Diário da República no ano anterior à assinatura do acordo entre as duas entidades, em Outubro de 2007.
Porém, a EP preferiu negociar directamente e fazer o acordo com a Igreja Católica sem recorrer ao processo de expropriação previsto na lei.
Acontece que esse acordo acabou por sair muito caro à empresa - sociedade anónima de capitais exclusivamente públicos.
O direito canónico vale mais do que o direito português. Pelo menos para a Estradas de Portugal.
É o que diz o acordo relativo ao terreno a expropriar, que foi celebrado a 30 de Maio de 2008, entre a EP e o Instituto de Formação e Apostolado, que gere a Quinta do Bom Pastor da Buraca e é uma entidade colectiva religiosa, integrada no Patriarcado de Lisboa.
Na verdade, o considerando K desse acordo diz o seguinte: "As partes expressamente reconhecem que o presente acordo é celebrado em função da natureza religiosa do expropriado e tomando em consideração que o mesmo se rege pelo Direito Canónico, o qual é susceptível de condicionar o regime geral das expropriações previsto no Código da Expropriações, aprovado pela Lei n.º 168/99 de 18 de Setembro."
Afirmação que as partes do contrato aceitaram como boa mas que o ordenamento jurídico português não sufraga nem admite em parte alguma.
VIGARICE!!!
Mas, as vigarices continuam a avaliação feita pela própria igreja, nos termos do acordo assinado, ambas as partes acordaram reduzir a área da parcela expropriada de 1494 metros quadrados (área que havia sido declarada de utilidade pública urgente) para 1244.
Por essa área, o Patriarcado recebeu uma indemnização de €186 600 (cento e oitenta e seis mil e seiscentos euros).
A essa parcela acresceu uma "indemnização pela desvalorização de 14% da propriedade do expropriado" no montante de €840 mil.
Ou seja, a EP pagou mais de 800 mil euros pela desvalorização do terreno da Igreja, ao qual só foram deduzidos 14 por cento da sua extensão.
Além disso, a EP pagou ainda uma indemnização de €80 mil para transformar um antigo caminho pedonal no acesso de veículos pesados à Casa do Bom Pastor.
Mas há mais: a EP comprometeu-se ainda a pagar mensalmente € 10 mil como "indemnização pela não utilização da Casa do Bom Pastor da Buraca durante o período de execução da obra (correspondente aos custos de manutenção da Casa, os quais se manterão durante aquele período)".
Ora, acontece que todos estes valores foram obtidos com base numa avaliação que terá sido feita pela própria Igreja, não se sabe por que técnicos, nem com que critérios ou objectivos.
E, nem sequer, quando terá sido feita.
Essa "avaliação", é citada no considerando C do acordo com a EP que atribui à propriedade o valor de €6 000 000 (6 milhões de euros).
Assim se compreendem os valores pagos pela EP.
Nem o Patriarcado de Lisboa, através do seu representante negocial, Padre Edgar Clara, nem o presidente, Almerindo Marques, da EP nem o administrador que assinou o acordo, Rui Nelson Dinis se disponibilizaram a dar explicações.
Recordar que este troço da CRIL, que tem menos de quatro quilómetros de extensão, implicou 1400 processos relativos a compensações por direitos de propriedade, dos quais 550 foram resultantes de processos de expropriação.
As expropriações e a complexidade da obra acabaram por ter impacto no custo final a pagar pela Estradas de Portugal.
Assim, a conclusão do projecto, que tinha sido concebido para reforçar a rede viária da grande Lisboa para a Expo-98, só deverá ficar concluído este Verão.
Ou seja, os negócios entre a Igreja e o Estado são tudo menos caridosos.
Os bufarinheiros do templo, como sempre.