quinta-feira, novembro 05, 2009

Discurso da tomada de posse na AM da Guarda

Passado o tempo das ilusões e das promessas celebradas no deslumbramento dum poder efémero ou, na procura de objectivos eleitoralistas, traduzidos em votos que matizam de forma pouco clara os verdadeiros anseios de um concelho, é tempo de formalizar, em papel e em plástico, o protocolo das posses.
Posse dos lugares. Lugares que se dão, nuns casos que se recebem.
De novo, manifestamente, nada. A vontade é de parecer que se alterou alguma coisa para tudo mas, rigorosamente tudo, se manter na mesma.
É a mudança que não interessa fazer.
Novo, apenas porque resulta, a cada momento, do lugar de afirmação que se deseja e se espera após cada acto eleitoral, que se esvanece no tempo das memórias.
Memórias que as há nos 800 anos de uma História feita e construída por pessoas de singularidade na forma do ser e de ser mas, igualmente moldada na forma de um orgulho próprio do beirão.
Orgulho que há muito está ferido. Ferido na sua dignidade e no que sempre foi e ainda é o mais dos nobres valores que um beirão, que se considere e considera, respeita: a palavra dada.
Foi assim, ao longo dos séculos.
Nunca um beirão quis ou desejou faltar ao compromisso da palavra dada, nem que para isso significasse a perda da sua própria vida.
Trair ou trair-se, nunca foi lema do beirão.
Foi o beirão caldeado na cultura celta, na ibéria lusitana, na cultura judaica, cristã mas e, principalmente, na sempre desprezada e por vezes renegada cultura muçulmana.
Foi, também, o beirão, moldado na rudeza do clima e nas agruras de uma vida que lhe roubaram.
Obrigaram-no a deixar a escola cedo. Mas os letrados não o enganavam nem enganam.
Obrigaram-no a não ter infância e a fazer das lides do campo, das oficinas e das fábricas o tempo de uma aprendizagem com os mestres da vida.
Obrigaram-no a não ter tempo para ser jovem. O tempo dos namoros, da adolescência e da aprendizagem da vida em fraternidade e amor foi-lhe roubada por uma guerra que não lhe dizia nada. Que só existia nas paragens longínquas, para onde um barco o guiava e onde o destino era invariavelmente a morte anunciada ou o desespero de matar para não ser morto.
Obrigaram-no, ontem como hoje, a partir. Como se o seu destino fosse traçado no salto e nos bidões de terras da estranja.
Aprendeu, ontem como hoje, que não é o fatalismo que marca nem marcará a sua vida. O fado não é nem nunca fez moda na beira.
Foi, quer queiram quer não, a vontade de uns, poucos, que tudo fizeram para que o desenvolvimento de um concelho e de uma região fosse o que é hoje.
Mas, as eleições passam, os poderes estabelecem-se, adaptam-se, outros assumem-no e tudo continua na mesma. Aqui, acolá, em qualquer Portugal por mais profundo, as mudanças nas formas de administrar os bens públicos sofrem mudanças insignificantes, e as velhas/novas formas de poder e, mando, resistem, por maiores promessas que sejam feitas nas campanhas eleitorais.
Não é preciso perceber muito da História dos povos para se entender que a velha democracia idealizada pelos antigos gregos, sofre mutações cíclicas, desde aquela idealizada só para os chamados cidadãos até à nossa elaborada por “representantes do povo” e registada em papel para ser seguida por todos, mas que está ao serviço de apenas de alguns. E assim temos programas eleitorais, leis orgânicas, códigos e mais códigos escritos em papel para cidadãos de papel e plástico.
Por conseguinte, basta observar as transgressões constantes e quotidianas perpetradas pelos poderosos que, no papel e, só no papel, são passíveis de punição, mas que se tornaram tão rotineiras que tudo é visto como se fosse lícito e normal.
O último relatório sobre a Justiça em Portugal aí está a dizer alto e bom som o que todos já sabíamos: «A Justiça em Portugal nunca condena os poderosos».
São faces ou facetas umas mais claras outras obscuras que não passam, todas elas, de insinuações, acusações ou na forma mais ligth do termo, arguidos.
Arguidos que já se tornaram notados e notáveis dos tempos de antena, para Português enganar.
São os bens públicos, ou alugados, pagos com o dinheiro público, a circular nos fins de semana, visto em festas, utilizado para passeios, é o público que se confunde com o privado, ninguém sabe o que é propriedade particular ou propriedade pública, máquinas públicas utilizadas em propriedades particulares noutras acções consideradas normais, pois de tão rotineiras se tornaram “lícitas”.
As licitudes e os devaneios que tanto jeito dão a certos comensais de uma democracia oca e vazia.
As denúncias veladas são mais que muitas. Em todas as esquinas deste imenso burgo que é o país, nas mesas de bares, nas alcovas, nas rodas de amigos e inimigos fala-se do muito que se cobra para se conseguir uma benesse, as exorbitâncias que se pagam na execução de grandes e pequenas obras, como também em facturação, aquisição de produtos de péssima qualidade por preços elevados, funcionários fantasmas, os chamados marajás entre tantas formas ilícitas e transgressoras da nossa democracia de papel.
Não é novidade, neste país que emprega empregadas domésticas como assessoras parlamentares ou secretárias só para receber proventos provenientes do erário público, que privilegia os amigos de todos os reis. Assim, os papéis onde estão escritos os nossos direitos e deveres, são rasgados a cada minuto e a cada esquina, atirados ao lixo, principalmente quando são para beneficiar aqueles que exercem o poder ou aqueles poderosos por força do dinheiro.
Por isso um cartão de cidadão, na forma simplex, entre outros números que nos identificam, não nos transformam em cidadãos plenos de direitos, mas em cidadãos de papel e plástico, pois não somos e nunca seremos iguais em deveres e direitos enquanto essa democracia não sair verdadeiramente do papel e ganhar as ruas deste país.
Enquanto isso, no nosso concelho a angústia não veio para o jantar; veio em forma de desemprego, avassalador, que a todos atinge, mas, principalmente os trabalhadores da Delphi e as suas famílias.
Os mesmos trabalhadores que foram enganados por falsas promessas de emprego em lugares e paragens longínquas mas que não lhes eram destinados; enganados por falsas promessas de formação profissional, como se de formação se tratasse o pão para matar a fome; os trabalhadores que se enganam com falsas promessas; que se enganam com falácias de indemnizações que apenas duram enquanto um cigarro, do português suave, arde no canto da boca de um beirão melancólico e triste, mas nunca e nunca resignado.
Furaram-lhe as entranhas da vida e da esperança de uma vida acreditada, pensada e mitigada na sua terra.
Hoje, como ontem parte como já partiram os amigos da rua, da escola e do jogo da moeda.
No entanto, não resignaremos. Não calaremos face às mentiras, às quimeras e às promessas de maus pagadores.
É que, as refeições quentes fornecidas por um restaurante chique e pagas com verba indemnizatória, um dia acabarão;
Filhos, noras, cunhados, netos, primos de presidente não serão mais nomeados através de actos secretos e sigilosos.
Não se duvide.
Um dia a Justiça, sim a Justiça mas, principalmente a História em Portugal irá condená-los. Seguramente.